2015-9-25

SOFT

VW: Abram o acesso ao código !

No escândalo da manipulação das emissões de escape por parte da Volkswagen nos EUA, existe agora uma pressão crescente para que os reguladores e investigadores tenham acesso ao código-fonte do software dos automóveis.

VW: Abram o acesso ao código !

Na maior fraude da história da industria automóvel, os factos são conhecidos a conta-gotas mas é agora certo que 11 milhões de automóveis diesel do grupo VW tem software manipulado para enganar os testes de emissões

Na passada quarta-feira um analista  da bolsa de Frankfurt afirmava ao canal Bloomberg que ninguém sabe o que esta fraude nos Estados Unidos vai custar à Volkswagen (VW). Mas sabemos agora que os custos podem não vir apenas do outro lado do Atlântico. É que de acordo com a própria marca poderão existir até 11 milhões de veiculos manipulados e só 500 mil estão nos EUA.

A comissão europeia vai abrir o seu próprio inquérito, os sul-coreanos também já o anunciaram e outros países, nomeadamente com industria automóvel própria, podem não deixar passar a oportunidade de enfraquecer o maior fabricante mundial de automóveis, dono de marcas como a Audi, Skoda, Seat e Porsche.

Mesmo o IMT português anunciou hoje (25/09) que vai inspecionar os inspetores (os centros de inspeção automóvel) embora o seu presidente tenha adiantado à Antena 1 que nem todas as maquinas de testes medem a totalidade dos tipos de emissões, o que pode ser o caso para os óxidos de nitrogénio em causa neste escândalo.

Os motores afetados são as versões TDI (diesel) dos modelos da VW Golf, Passat e Touran, fabricados entre 2009 e 2014 e que possuem os motores 1.2 TDI, 1.6 TDI e 2.0 TDI.

A marca vai fazer um recall destes automóveis, estando agora obrigada pelo governo Alemão a comunicar o plano até dia 7 de outubro.

Outras marcas do grupo VW que usam estes motores TDI como os Audi, Skoda e os Seat poderão também estar no "bolo".
Seguramente que depois de reposto o software a potência máxima dos motores será ligeiramente afetada.

 

A tecnologia é mais rápida que a lei. 

Este é um caso de clareza cristalina em como o rápido desenvolvimento tecnológico pode tornar uma regulamentação totalmente obsoleta. 
No tempo em que uma “centralina” com um sistema eletrónico básico de controlo da alimentação dos injetores controlava o motor,  os resultados que se obtinham com um carro imobilizado num banco de testes e com um carro em andamento para a mesma rotação eram naturalmente iguais. 
E a regulamentação existente sobre procedimentos na medição de emissões foi feita nessa altura. 

Hoje os parâmetros de funcionamento de um motor, e de todo os elementos ativos de um automóvel são controlados por um software que recolhe milhares de informações por minuto de uma multiplicidade de sensores, tanto ao nivel do motor como do chassi e mesmo do habitáculo. Esse software é totalmente “opaco” para os reguladores, assim como para os concessionários automóveis, inspetores,consumidores ou para os investigadores. 

É legitimo que assim seja, afinal é um segredo industrial, uma propriedade intelectual que custou milhões a desenvolver. 

A questão sobre o acesso das autoridades a uma forma inteligível do código-fonte do software automóvel nunca tinha sido colocada antes da megafraude da Volkswagen. 

Como funciona o algoritmo fraudulento

Na verdade não se conhecem todos os detalhes do algoritmo que deteta a previsível forma como os testes são realizados. 

O software foi fornecido em 2007 pela Bosch para a VW, mas de acordo com jornal alemão Bild existe uma carta em como o fornecedor adverte para que aquela versão de software não deveria ser instalada fora de motores destinados a testes e pesquisa da VW

Não conhecendo os detalhes do algoritmo , sabe-se o principio geral e é mesmo muito fácil de entende; 

Quando o veiculo está a ser testado nas suas emissões, ele está parado num banco de ensaios. Mesmo usando um dinamómetro, só as rodas motrizes rodam, logo o software que recebe, por motivos do ABS e outras ajudas na condução, informação dos sensores de velocidade das quatro rodas, sabe que duas estão paradas, logo o veiculo está a ser testado. 

Para esta premissa o algoritmo da VW altera a configuração da alimentação dos injetores para uma menor emissão, mas também menos potência que a anunciada pelo fabricante. Como o carro não está sujeito a um teste de potência naquele momento, e as emissões estão dentro dos parâmetros, seja durante a homologação por parte das autoridades, seja mais tarde em qualquer revisão ou inspeção periódica, não se levantariam suspeitas. 


Quando o software tem a informação que o veiculo está em andamento normal ( logo não está num banco de testes estático) é reposta a configuração da alimentação do motor necessária para atingir a potência anunciada pelo fabricante, claro que as emissões “furam” várias vezes os limites legais permitidos. 

É sabido que alguns mecânicos menos zelosos alteram os parâmetros configuráveis da alimentação de alguns motores a pedido dos seus proprietários, de forma a obter um pouco mais de potência, mas não seria suposto ser a própria marca a fazer batota. 


Como se descobriu a fraude 

A fraude foi descoberta porque “alguém” se lembrou de fazer testes de uma forma que não era suposta; medir as emissões com o carro em condução normal, 
Esse “alguém” foi grupo de investigadores ligados ao International Council on Clean Transportation nos EUA ,e apoiados tecnicamente pela universidade de West Verginia. 

Estes testes faziam parte de um estudo alargado e destinava-se a estabelecer um perfil de emissões ao longo da utilização em carga do motor e tinha um objetivo puramente cientifico na busca por motores mais amigos do ambiente. 

Abram o código! 

A proteção do segredo sobre os código-fonte nos Estados Unidos tem por base o Digital Millennium Copyright Act,  que proíbe qualquer tentativa de violação ou descodificação de código-fonte proprietário, ou mesmo de fazer engenharia reversa dos códigos-fonte, ou dito de outra forma, desvendar o conteúdo do código fonte. 
Mas o caso da VW veio acender velhas lutas pelo acesso aos códigos-fonte tão zelosamente protegidos por lei. 

É a transposição da “guerra” Open-Source para os produtos de software industrial, como o caso dos automóveis. 

A Electronic Frontier Foundation ( EFF ) é uma organização sem fins lucrativos sediada em San Francisco, cujo objetivo é “proteger” os direitos de liberdade de expressão, tais como definidos pela constituição dos EUA. 

É um lobby com algum peso junto da sociedade, especialmente na comunidade de programadores de open-source, que trabalha na filosofia inversa do código proprietário “cifrado” detido pelas empresas. 

 

Um grupo de ativistas do Greenpeace, hoje em frente da sede Volkswagen em Wolfsburg 

Esta organização reclama agora a abertura de todos os códigos-fonte dos automóveis vendidos naquele pais: - "Quando você confia sua saúde, segurança ou privacidade a um dispositivo, a lei não deve puni-lo para tentar entender como isso funciona e se é confiável", afirmou um porta-voz da organização. 
Na argumentação da EFF, se o software da VW pudesse ser inspecionado pelas autoridades, a fraude nunca teria ocorrido. 

A EFF já tinha conseguido, mesmo antes de escândalo, por na agenda do Congresso dos EUA uma proposta para a revisão do Digital Millennium Copyright Act. 
Esta proposta ainda não tem redação final, mas seguramente o Congresso não aprovará nada que comprometa o pilar mais forte da economia norte-americana; as suas industrias de alta-tecnologia, nomeadamente a industria de IT e a industria eletrónica de microcontroladores e embedded circuits, que a jusante fornece uma multiplicidade de industrias americanas incluindo as militares. 

Com este escândalo da VW, é agora mais provável que no final deste debate legislativo, se prevejam situações na lei onde as autoridades tenham acesso ao código-fonte de alguns softwares críticos. 

 

Nota: Atualizado às 12:00h  27/09/15 com comunicado do fabricante sobre os anos de fabrico, quantidade de motores e versões TDI afetadas.

 

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