A União Europeia está em “guerra” com a Google, e isso não é novidade, seja por assuntos relacionados com os direitos de autor e propriedade intelectual seja por abuso de posição dominante.
Mas nunca antes um ministro da UE tinha tão claramente visado o gigante americano com um ultimato tão explícito como fez Heiko Maas, ministro da justiça da Alemanha, numa entrevista publicada na passada segunda-feira no Financial Times.
Para o governante alemão, a posição dominante da Google na Europa é tão grande que só existem duas opções, ou o Google revela como trabalha o algoritmo de pesquisa, que é o segredo mais bem guardado da companhia e o motivo do seu sucesso,ou resta a solução de desmembramento do próprio Google, o que seria nas palavras do ministro, uma última solução: "É sempre o último recurso. Existem de momento várias iniciativas a este respeito, tanto a nível europeu como dos estados membros".
Na base do grande conjunto de processos legais que começam a ser movidos contra a Google está o facto do gigante americano deter mais de 90% do mercado Europeu dos motores de busca, número muito superior ao que tem em “sua casa”, onde disputa o mercado com a Yahoo e com o Bing.
Para o governo alemão, essa posição dominante tem um impacto na economia europeia, nas decisões de empresas e consumidores e no acesso à informação, que obriga a uma total transparência da forma como o Google escolhe e ordena os resultados das pesquisas.
Claro que a União Europeia e o governo alemão não desconhecem o facto do algoritmo da Google ser tudo menos transparente: ele é altamente sofisticado, evolutivo, costumizado para cada utilizador e de alguma forma é consensual dizer que é algo manipulador.
Resta saber se é só “manipulador” para melhorar a experiência do utilizador, ou se é susceptível de ser verdadeiramente manipulado por motivos comercias, políticos ou de qualquer outra agenda. Esta suspeita não é explicitada na entrevista do ministro, mas é subjacente a todo o raciocínio nela expresso.
O “Pano de Fundo”
O Google não se tornou monopolista na Europa em 2014. Na realidade nada mudou substancialmente na pesquisa Google recentemente, é um processo de conquista de quota de mercado com mais de uma década e meia, num terreno fácil de inexistência de concorrência, muito mais fácil do que nos EUA, onde nos últimos 15 anos muitos oponentes enfrentaram o Google.
O que mudou radicalmente no último ano foi a percepção dos políticos (e em parte da opinião publica europeia) em relação aos Estados Unidos, à vulnerabilidade tecnológica do velho continente face ao “amigo americano”, provavelmente não tão bondoso e confiável como anteriormente assumido.
O caso NSA, a cooperação das empresas de internet com o governo americano, fornecendo dados pessoais e conteúdos privados, veio pôr um fim à despreocupação europeia com as posições dominantes das tecnológicas americanas.
O “Medo do Google”
A consciência de que tudo na Web é passível de ser manipulado, e que a Google tem a hegemonia do mercado europeu, criou o que Mathias Döpfner, da Axel Springer, uma publishing house alemã que é parte de uma acção legal contra a Google, chama de “fear of Google”.
Na sua carta aberta a Eric Schmidt, CEO da Google, confessa que o seu negócio, e muita da actividade económica, depende hoje do Google mas que essa dependência não pode gerar o medo e levar parte das actividades econonómicas a subjugarem-se a esse poder.
Numa semana em que em Portugal muito se discutiram os direitos autorais e que a Assembleia da República vai discutir a anacrónica “lei da cópia privada”, raramente foi referido o facto da posição dominante da Google lhe permitir dispor quase livremente de conteúdos e distribuir propriedade intelectual de outros pagando valores simbólicos e apenas com as empresas que ainda vão tendo um mínimo de poder negocial.
Mathias Döpfner diz que o argumento da liberdade de escolha na utilização de produtos online da Google é absurdo: "Se não gosta do Google pode remover o bookmark e ir para outro lugar, é tão realista como recomendar a um opositor da energia nuclear que ele simplesmente não use electricidade. Ele não pode fazer isso na vida real - a menos que ele se junte à comunidade Amish". |