Jorge Bento em 2019-5-20

REDES

Guerra comercial - Para onde vão voar os estilhaços ?

Os Estados Unidos declaram “emergência nacional” para bloquear as relações comerciais em produtos de ICT com a China. A Google foi a primeira a acatar a ordem. Quem vai perder mais nesta guerra e quais serão os danos colaterais?

Guerra comercial - Para onde vão voar os estilhaços ?

Ontem ficámos a saber que a Alphabet suspendeu o suporte ao Android utilizado pela Huawei, assim como o acesso a várias apps da Google, como sejam a sua loja online ou mesmo o Gmail. Este embargo não atinge, porém, os equipamentos já produzidos.

Esta é a primeira consequência da decisão da Casa Branca tomada na passada quarta-feira de colocar as empresas chinesas de ICT sob embargo.

Para os responsáveis da Alphabet trata-se apenas de cumprir ordens, em primeiro lugar, e depois avaliar qual a margem de manobra que sobra numa eventual continuação de relações com os fabricantes chineses.

O inicio prático do embargo por parte das empresas americanas era esperado, a surpresa pode ter sido apenas a rapidez com que a Google avançou.

Um precedente inédito

O mundo não conhecia uma guerra comercial desde 1999, com Bill Clinton na chamada guerra do aço Chinês, mas a dimensão e o propósito são incomparáveis com a atual guerra sino-americana.

Independentemente de considerações macro-económicas (em que os analistas não auguram nada de positivo), esta guerra tem um epicentro e não é o aço, é antes tecnologia chinesa high-end em ICT. 

Se o Brasil já está a ganhar com a guerra comercial na venda de soja para a China, e o Midwest  a perder, na tecnologia pode não haver mesmo vencedores, nem os fabricantes ocidentais, nem os seus clientes, empresas e consumidores.

A verdadeira 'cruzada' norte-americana contra a tecnologia ICT chinesa, especialmente no 5G, levou a disputa para um plano completamente novo, o da esfera geo-estratégica de aliados e potenciais inimigos - e isso é absolutamente novo.

O Escalar da Guerra

Na passada quarta-feira, o presidente Donald Trump emitiu uma ordem executiva que não só proíbe a utilização por empresas americanas da tecnologia chinesa como condiciona a aprovações administrativas restritas a exportação de alguns componentes, como microchips, para a China.

Se a parte da importação é só mais um degrau nas restrições que foram lançadas anteriormente em 2018 (a atividade de fabricantes chineses já é muito limitada nos EUA), as restrições na exportação de tecnologia para a China visam atingir diretamente a capacidade de produção da Huawei, e em último cenário a total paralisação em quase todas as linhas de produtos, seja por impossibilidade de adquirirem microchips ou licenças de sistemas operativos.

O reverso da medalha é o próprio impacto negativo na indústria americana. Só no caso da Intel, isso representaria o desaparecimento de 19 mil milhões de dólares em receitas (perto de 25% do volume de vendas), e em outros fabricantes como a Micron Technology, Qualcomm, Microsoft a Google e muitas outras empresas, o impacto será também devastador. A Huawei é o terceiro maior comprador de semicondutores no mundo, absorvendo 4,4% de toda a indústria global de semi-condutores.

Estima-se que um quarto de toda a cadeia de fornecimento da Huawei venha de empresas americanas, e o fabricante chinês não tem alternativa no caso de um embargo total.

No início da ofensiva da administração americana contra a Huawei, alguns analistas defendiam que a verdadeira razão não era da esfera da segurança mas apenas de protecionismo comercial, mas essa leitura também não faz sentido no caso do 5G, porque as alternativas atuais a essa tecnologia proveem dos europeus Nokia e Ericsson.

Claro que em segmentos como data center ou networking, empresas americanas como a HPE ou a Cisco podem ver desaparecer um concorrente no mercado doméstico, mas esse seria um ganho limitado, face ao embargo das exportações.

Only Business ou DEFCON ?

Existe agora por parte de vários analistas a percepção de que mais que uma cortina de fumo na guerra comercial sino-americana, a administração de Donald Trump está verdadeiramente receosa  que parte da infraestrutura de telecomunicações e de data center esteja 'nas mãos' de uma potência estrangeira potencialmente hostil, tanto na sua infraestrutura doméstica como na dos seus aliados militares.

Isso são seguramente más noticias para o desenvolvimento do 5G, mas também para o acesso a tecnologia de data center e de networking e para o mercado de smartphones.
Menos opções para empresas e consumidores significam necessariamente menos competitividade, menor inovação e custos mais altos.

É essa a mensagem que a administração da Huawei tenta passar para a opinião pública, mas seguramente não vai ser acolhida com facilidade em Washington. Este é provavelmente o único tópico que é consensual no Congresso e ambos os partidos respaldam as decisões de endurecimento do executivo face à tecnologia chinesa.

Do lado do velho continente, a UE e os seus membros tentam a quadratura do círculo, o que já provocou uma demissão no Governo de Theresa May. Não hostilizar o parceiro comercial chinês, mantendo os compromissos com o aliado militar: esse equilíbrio instável está cada vez mais comprometido, e são já várias as vozes, tanto na Comissão Europeia como em governos nacionais, a afirmar que o problema de segurança pode ser mesmo real.  Portugal está numa situação particularmente sensível devido aos investimentes chineses na nossa economia, e também porque o maior operador nacional alinhou estrategicamente com a tecnologia da Huawei ainda numa fase muito inicial do desenvolvimento da futura rede 5G.

Face aos últimos desenvolvimentos do embargo comercial, tanto o governo Francês com o Alemão já vieram a público afirmar que vão continuar a vender tecnologia europeia para a China.

Num mundo globalizado, onde as cadeias de fornecimento e produção são extremamente interdependentes, é impossível  antever todas as implicações que estes embargos poderão ter na industria ICT, mas vão seguramente voar estilhaços. Só não é possível prever onde vão cair.

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