Alcina de Oliveira Alves, Advogada do Departamento de TMT&PI da CCA em 2020-11-25

OPINIÃO

Legal

Um Monopólio está sempre a aprender

O espaço online cedo se revelou como uma terra de oportunidades para a exploração empresarial em regime total ou complementar a um negócio de base territorial

Um Monopólio está sempre a aprender

Os últimos meses das nossas vidas vieram empolar, se é que tal ainda é possível, as vantagens da gestão e disponibilização de serviços e produtos de modo virtual. Acresce que, entre outras vantagens, o espaço online é democrático, estando aberto a quem quiser entrar… Mas, estará mesmo? Se na maioria dos casos a resposta é afirmativa, existem exceções de reserva desse espaço ou da atividade que nele se pretende desenvolver.

Não é, portanto, nenhuma surpresa que para uma pessoa coletiva de utilidade pública monopolista dos jogos sociais do Estado, como é a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), ficasse desde cedo legalmente consagrada a reserva exclusiva da exploração online dos referidos jogos sociais do Estado (tais como lotaria, totoloto e raspadinhas), e das apostas desportivas mútuas.

Eis que, chegados a Outubro de 2020, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) é chamado a pronunciar-se acerca de algumas questões prejudiciais num processo cujo caso base, iniciado em 2009, coloca a SCML contra a Sportingbet PLC e a Internet Opportunity Entertainment Ltd, solicitando a primeira, entre outros pedidos, o fim da exploração da atividade e a promoção da marca Sportingbet, e respetivo website, através de um contrato de patrocínio celebrado entre estas últimas e o Sporting Clube de Braga.

Ora, uma das questões colocadas ao TJUE era a de saber se, ao abrigo de uma Diretiva europeia relativa a procedimentos de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas, “uma legislação nacional que prevê que a exploração exclusiva de determinados jogos de fortuna ou azar atribuída a uma entidade pública para todo o território nacional incluindo a exploração efetuada na internet constitui uma «regra técnica»”.

Uma preocupação permanente da União Europeia é a de assegurar a competitividade empresarial, impedindo a criação de obstáculos de natureza técnica ao comércio internacional. Foi por isso criado um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas e das regras relativas aos serviços da sociedade de informação. Regras técnicas deverão ser entendidas como regras de cumprimento obrigatório para comercializar, prestar serviços ou criar estabelecimento num Estado-Membro ou aquelas que criem proibições à livre atividade comercial. Estas incluem as obrigações e proibições ligadas ao conceito de serviço da sociedade de informação, i.e., qualquer serviço prestado normalmente mediante remuneração, à distância, por via eletrónica e mediante pedido individual de um destinatário de serviços.

Sempre que um Estado-Membro queira aprovar uma regra técnica, o mesmo deverá previamente notificar a Comissão do projeto dessa regra e adiar a sua publicação por um período de três meses (salvo exceções), para que a própria Comissão e os Estados-Membros se possam pronunciar acerca de potenciais barreiras às livres trocas comerciais e à eficácia do Mercado Único Europeu. A omissão de notificação é punida com a inaplicabilidade das regras de natureza técnica, tornando-as inoponíveis a particulares.

Neste caso concreto, o TJUE concluiu que a norma que impõe a exclusividade da exploração online de jogos sociais do estado e apostas mútuas à SCML é uma regra técnica, a qual deveria ter sido previamente comunicada à Comissão. A principal conclusão a extrair deste Acórdão será a de que o Supremo Tribunal de Justiça não poderá decidir o caso SCML vs Sportingbet/IOE com base na regra que atribui o exclusivo da exploração de apostas mútuas à SCML. As rés invocarão a inoponibilidade da norma e que, portanto, nada obstaria a que eles celebrassem o contrato de patrocínio e que prestassem a atividade relacionada com apostas mútuas em Portugal.

Será ainda interessante verificar como este Acórdão afetará decisões passadas relacionadas com a atividade do jogo e como os vários operadores nacionais e internacionais irão reagir até à (eventual) notificação da regra técnica aqui em causa.

Essencialmente, e ainda que em termos práticos no caso concreto os efeitos deste dever de notificação possam ser pouco significativos, este caso relembra-nos o que começámos por frisar: o espaço online quer-se democrático em defesa de uma concorrência saudável e transparente. As exceções a este ideal, tendo de existir, deverão ser sempre justificadas. 

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