Jorge Bento em 2025-3-10
Com a nova administração na Casa Branca, a questão da soberania digital europeia volta a ganhar centralidade nas discussões políticas e estratégicas do espaço comunitário
A recente apresentação, por parte da Microsoft, da versão final do seu pacote EU Data Boundary surge num momento particularmente simbólico: o compromisso da tecnológica norte-americana em reforçar o controlo e a retenção de dados dentro das fronteiras da União Europeia é mais do que uma resposta às exigências regulamentares; é um reflexo da crescente tensão geopolítica entre a Europa e os Estados Unidos no domínio da economia digital. O historial da administração Trump em matérias de protecionismo económico e de pressão sobre empresas tecnológicas não norte-americanas permanece fresco na memória das organizações e decisores políticos do Velho Continente. Se, durante a anterior presidência, foi possível observar uma reaproximação a Bruxelas em temas como a proteção de dados e a cooperação transatlântica, o regresso de Trump volta a levantar dúvidas sobre a estabilidade dessas pontes. O EU Data Boundary da Microsoft é um sinal claro de que as grandes tecnológicas estão a ajustar a sua estratégia para mitigar o risco de fragmentação digital. Ao prometer que os dados de clientes europeus serão processados e armazenados inteiramente dentro do território da UE, a Microsoft procura antecipar cenários em que novas disputas políticas ou jurídicas possam surgir, tal como aconteceu no passado com a invalidação do Privacy Shield. Mas, no final do dia, tratam-se de empresas fundadas e sediadas nos Estados Unidos que, em última instância, podem ver o seu enquadramento jurídico alterado de forma súbita – tal como aconteceu com as suas congéneres chinesas. Um cenário que há um mês seria absurdo. Para as empresas europeias, a soberania digital deixou de ser apenas um conceito abstrato para se tornar uma prioridade operacional. Garantir que os dados críticos permanecem sob jurisdição europeia não é apenas uma questão de conformidade regulatória; é um pilar estratégico para mitigar riscos geopolíticos e assegurar a confiança de clientes e Parceiros. Num momento em que a Europa acelera a sua agenda de autonomia estratégica – do Digital Markets Act ao European Data Act – é expectável que o novo ciclo político nos EUA funcione como um fator de pressão adicional. As empresas tecnológicas e os decisores europeus terão de trabalhar em conjunto para garantir que a soberania dos dados europeus não seja apenas uma promessa política, mas uma realidade operacional e tecnológica.
Diretor do IT Channel |