Tito Rendas, Consultor do Departamento de TMT&PI da CCA Law Firm; Docente da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa em 2020-3-17
O que há de comum entre uma Coca-Cola e uma coxa de frango frito da Kentucky Fried Chicken?
Além do teor calórico explosivo de cada uma (e de, juntas, formarem uma parelha gastronómica com pergaminhos na indústria da fast food), parecem ser poucas as conexões relevantes. Há porém, uma semelhança significativa, ainda que não evidente. É que o sucesso das duas empresas está assente no facto de as receitas destes seus principais produtos serem desconhecidas do público. A fórmula da Coca-Cola e a composição da mistura de especiarias da KFC são – por paradoxal que possa soar a afirmação – dois dos segredos de negócio mais conhecidos do universo empresarial global. Como instrumentos de gestão e promoção da competitividade empresarial, os segredos comerciais têm sido úteis também para os gigantes do setor tecnológico. O exemplo paradigmático é o da Google, que mantém em confidencialidade parte do funcionamento do PageRank – o algoritmo utilizado para determinar a posição de websites nas listas de resultados produzidas pelo seu motor de busca. Como qualquer segredo, o segredo comercial é informação. E é informação que, para ser juridicamente protegida, não tem de integrar qualquer categoria específica. Não tem de ser uma “obra literária ou artística”, como exigido pelo direito de autor, nem tem de ser uma “invenção”, como exigido pelo direito de patentes. A proteção dos segredos de negócio pode assim abranger ativos imateriais tão variados quanto listas de clientes, algoritmos, métodos de produção, estudos de mercado, estratégias de vendas, dados financeiros, datas de lançamento de produtos, assim como outros ativos aparentemente triviais, como receitas de frango frito. A proteção de inovações tecnológicas pela via dos segredos de negócio tem óbvias vantagens. Desde logo, a tutela dos segredos, ao contrário da conferida pelas patentes, não está sujeita a qualquer limite temporal. Desde que a informação permaneça confidencial, a proteção jurídica pode prolongar-se ad aeternum. E, da perspetiva de empresas pequenas e menos afluentes que um colosso como a Google, há uma outra vantagem não negligenciável: a de que o segredo permite um acesso instantâneo e praticamente gratuito à proteção, que não está dependente de pedidos de registo e do pagamento das elevadas taxas a estes associadas. É previsível que o recurso ao segredo como meio de proteção da inovação tecnológica venha a aumentar, em resultado, por um lado, do acréscimo na atenção mediática dada a litígios envolvendo empresas como a Uber, a Huawei, a Apple e o unicórnio colombiano Rappi e, por outro, das recentes alterações legislativas nesta matéria. Entre essas alterações estão as motivadas pela transposição da Diretiva da UE sobre segredos de negócio para o ordenamento jurídico português. Uma das preocupações fundamentais da Diretiva – e do novo Código da Propriedade Industrial que a transpôs – foi o reforço da tutela dos segredos comerciais, com a consagração de um vasto menu de medidas de prevenção e reação contra a violação dos mesmos, entre as quais se contam medidas cautelares, inibitórias e indemnizatórias. As empresas interessadas em beneficiar destes mecanismos de tutela devem começar por fazer o levantamento das informações suscetíveis de preencher os três requisitos de proteção previstos na lei: (i) serem secretas, no sentido de não serem geralmente conhecidas pelas pessoas dos círculos que lidam normalmente com o tipo de informações em questão ou facilmente acessíveis a essas pessoas; (ii) terem valor comercial resultante do secretismo; e (iii) terem sido objeto de diligências razoáveis para manter o secretismo. Em particular, as empresas devem certificar-se de que foram adotadas medidas de proteção adequadas, medidas essas que podem ser de caráter jurídico (como a celebração de acordos de confidencialidade com os seus colaboradores e Parceiros) ou material (como a implementação de palavras-chave ou a organização de ações de formação internas sobre o tema). E devem ainda conduzir verificações periódicas a essas medidas, garantindo que se mantêm atualizadas em face de eventuais desenvolvimentos jurisprudenciais e legislativos. A implementação destas medidas de proteção não significa, naturalmente, que o segredo seja inviolável. Já dizia o Padre António Vieira que o único segredo perfeito é a ignorância (“porque o segredo que se sabe pode-se dizer; o que se ignora, não se pode manifestar”). Mas o que as empresas não devem ignorar é que o segredo é uma alternativa eficaz e acessível de proteger os resultados dos seus esforços de inovação. Uma utilização planeada e inteligente desta forma de proteção pode fazer a diferença entre ascender, ou não, ao Olimpo empresarial onde se sentam a Coca-Cola, a KFC e a Google.
por Tito Rendas, Consultor do Departamento de TMT&PI da CCA Law Firm; Docente da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa |