Jorge Bento, Diretor do IT Channel e publisher na MediaNext em 2020-9-25
Tentar reconstruir o velho normal, agora simplesmente higienizado, pode revelar-se fatal para as empresas
Não entender que a pandemia mudou o paradigma para sempre é como nadar contra a corrente. O novo normal é muito diferente do que o que deixámos para trás em março deste ano, e isso podem ser boas notícias. Toda a atividade económica e social que conhecemos se baseia na centralização física de pessoas; no comércio, na educação, na religião, nos cuidados médicos, em grande parte do lazer, e no trabalho e produção também. Sempre foi assim, e as várias vagas de industrialização só centralizaram ainda mais o que sobrava de humanos dispersos. Em março, mandaram-nos para casa e a economia ruiu. Sem possibilidade de centralizar fisicamente pessoas em torno das atividades, muitas simplesmente desapareceram. A possibilidade de voltarmos ao modo de vida e de trabalho que tínhamos até fevereiro, agora higienizando e fazendo figas para que a medicina não demore muito a encontrar soluções, pode parecer atraente para muitas empresas. Mas mesmo que possível, voltar ao velho normal é desejável? Dificilmente podemos, agora, idolatrar aquilo que sabíamos que já estava condenado: o velho normal não é sustentável, não é ecologicamente viável, pode ser insuportavelmente stressante para os trabalhadores nas grandes cidades, mobiliza espaços físicos usados em apenas 20% do tempo total anual, é pouco criativo, rouba a liberdade sobre o nosso tempo disponível e ignora todos os avanços tecnológicos das últimas décadas. A tecnologia desenvolvida nas últimas três décadas é, pelo contrário, descentralizadora, mas a maioria das empresas e dos negócios não se apercebeu disso até ao aparecimento da COVID-19. A Internet era só mais uma utility disponível dentro do espaço físico da empresa – conveniente, mas só mais uma ferramenta. Digitalizar não significa o mesmo que transformar, digitalizar é só fazer o mesmo de forma mais rápida e mais barata. Transformar usando o digital, é reinventar os negócios para uma nova realidade muito mais descentralizada. Então a pergunta que todos nós devemos colocar é: queremos voltar a fazer o mesmo e da mesma velha forma? Se não quisermos dar agora essa resposta, os nossos ativos mais talentosos e a nossa concorrência, parte da qual até nunca tínhamos ouvido falar antes, vão dar a resposta por nós e então pode ser tarde para reagir. Em busca de um novo normalEste livro ainda não foi escrito e, em parte, temos de nos socorrer do que era o nosso conhecimento pré-pandémico e da nossa recente experiência durante esta pandemia, e este ponto vai determinar como iremos reagir. As empresas que se estão a reinventar num modelo mais descentralizado suportadas por tecnologia e que se mantêm “acima da água”, não vão desperdiçar cada grão da aprendizagem forçada de gestão e dos investimentos que fizeram, e provavelmente vão aproveitar o melhor dos dois mundos; algumas vantagens das equipas terem vivências físicas em comum, algum do contacto direto com clientes e Parceiros, que é parte importante do modo de sermos humanos. Vão ensaiar um mundo híbrido, entre a ancestral centralidade e a nova vivência digital descentralizada. Para as empresas que apenas fizeram “pause” e esperam que tudo volte ao antigamente, há três más noticias: a incógnita da resolução sanitária da atual pandemia (foram já temporariamente suspensos testes em fase 3), o recente aviso da OMS que esta não é seguramente a última pandemia (essa probabilidade é hoje considerada muito mais alta pelos cientistas), e por último, a ameaça da concorrência mais ágil, que já está em processo de transformação e não vai esperar por si. Claro que o caminho de descentralizar fisicamente as nossas atividades tem riscos: entre os gestores que já hoje afirmam que o voluntarismo inicial dos colaboradores descentralizados está a desaparecer – substituído por uma menor produtividade e algum laxismo – e o alerta de outros que a cultura empresarial e a coesão das equipas pode começar a deslaçar nos próximos meses, são a prova de que é preciso encontrar equilíbrios entre o novo e o tradicional. O espaço centralizado a que chamamos escritório não irá simplesmente desaparecer, mas caminhará seguramente para um espaço aberto de colaboração, de cimentação de equipas, de inspiração, entreajuda e aprendizagem, e não um conjunto taylorista de postos de produção no “chão da fábrica”. Se as melhores tecnologias digitais nos permitem, pela primeira vez na História, sermos produtivos descentralizadamente, móveis e adaptáveis, vamos aproveitar o momentum e reinventar em conjunto o nosso futuro. |