Jorge Bento em 2023-2-08
Há uma narrativa que corre nos media e que se espalhou na sociedade de que as grandes tecnológicas, e por extensão todo o setor tecnológico, está a passar por uma fase de grandes dificuldades
Para alimentar essa narrativa, há números relacionados a demissões e variações negativas no volume de vendas no Q4 em alguns casos. Tudo isso é verdadeiro, mas só pode ser compreendido quando colocado num contexto, e esse contexto foi o período pandémico. Por exemplo, todas as demissões anunciadas referem-se a percentagens relativamente baixas, inferiores à rotatividade natural dos trabalhadores no período de um ano. Na verdade, para todas as grandes tecnológicas, nem seria necessário demitir, bastaria contratar menos e o número de trabalhadores baixaria per se. Claro, os CFO precisam de dar sinais aos mercados de que estão a tomar medidas, mas, colocado no contexto pré-pandémico, esses despedimentos são pouco significativos face ao que contrataram nos últimos três anos; a Microsoft passou de 144 mil colaboradores em 2019 para 221 mil em 2022, a Apple de 137 mil para 164 mil, a Google de 114 mil para 186 mil, e poderíamos continuar a lista. Se observarmos o volume de vendas entre 2019 e 2022, a Microsoft cresceu de 126 mil milhões em 2019 (29 de junho) para 204 mil milhões em 2022, a Apple de 260 para 303 mil milhões, e a Google de 162 para 282 mil milhões. A questão não é a atual saúde das tecnológicas, mas sim como elas podem manter o crescimento quando o grande acelerador digital desapareceu. Se observarmos com detalhe os resultados do Q2 da Microsoft a dezembro, recentemente publicados, houve um crescimento global de 2%. Das dez unidades de negócio, todas cresceram (algumas a dois dígitos) ou mantiveram-se em linha, exceto duas: o Windows Home caiu 39% Y2Y e as vendas do Surface caíram na mesma percentagem. O fim da pandemia provocou a crise dos dispositivos, especialmente os domésticos, que vai persistir por um tempo, provavelmente todo o ano de 2023. O mesmo desafio que se apresenta às grandes tecnológicas estende-se a toda a cadeia de valor: como manter o crescimento em 2023 num cenário macro desafiante, sem a receita pandémica, que teve pouco de inovador, pois a tecnologia usada já estava largamente amadurecida. Esse foi o paradoxo da pandemia no IT.
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