Daniel Reis, Sócio da DLA Piper ABBC em 2022-5-23

OPINIÃO

Legal

O Metaverso e o Direito

Uma das palavras que mais ouço nos círculos de tecnologia e de Direito nos últimos tempos é “metaverso”. A palavra é uma amálgama das palavras “meta” e “universo” e designa genericamente mundos virtuais, tipicamente focados em interação social

O Metaverso e o Direito

Daniel Reis, Sócio da DLA Piper ABBC

Alguns jogos online multijogador são f requentemente referidos como estando na origem do conceito de metaversos, como o Minecraft, Roblox, e o Fortnite. O futuro trará novas formas de interação social mais sofisticadas, onde para além de jogar e conversar com outras pessoas, se poderá comprar e vender produtos e serviços. Cada vez mais se “viverá” no metaverso, que será o futuro da Internet onde todas ou quase todas as interações sociais ocorrerão, num mundo de realidade virtual. O previsto, ou talvez mais rigorosamente, o desejado, é que as pessoas possam explorar cidades e comunidades virtuais onde o seu comportamento terá consequências “reais”. Não é coincidência o Facebook ter recentemente alterado o seu nome para Meta.

Algumas das iniciativas que se conhecem parecem ser pouco mais do que ações de marketing. Pense-se na loja da cadeia de restaurantes Chipotle que “abriu” um restaurante num metaverso (Roblox) onde se pode ganhar vouchers que podem ser trocados por refeições em restaurantes reais da marca. Ou uma empresa de promoção imobiliária nos EUA, que oferece uma casa virtual num metaverso (Sandbox), quando o comprador adquire uma propriedade, igual à casa verdadeira adquirida pelo comprador.

Já há, no entanto, projetos com outro tipo de ambição. Metacity, por exemplo é uma plataforma descentralizada, baseada em tecnologia de blockchain, que pretende ser uma comunidade virtual global. Os “residentes” de Metacity irão podem em breve criar NFT (non fungible tokens) e transacionar os mesmos. Outro metaverso, a Decentraland, organizou uma semana da moda em março deste ano, onde participaram marcas de referência como por exemplo a Dolce & Gabbana.

Qual é a relevância ou as implicações jurídicas da criação e utilização de metaversos?

Uma consequência no mundo real, que já vemos hoje, é a inclusão da exploração de direitos no metaverso no rol de direitos comerciais licenciados por artistas, desportistas e em contratos de patrocínio. Os titulares dos direitos querem prever contratualmente seja proibindo ou permitindo a utilização a exploração desses direitos no metaverso.

Outra consequência que já gera trabalho jurídico, são litígios sobre propriedade intelectual. A Hermés está a proceder contra o criador dos NFT designados Metabirkin, e que consistem em reinterpretações digitais da icónica mala Birkin da Hermés.

Uma questão que tem causado alguma discussão é como tratar o conceito de “propriedade” no metaverso. A maioria das transações comerciais no metaverso utilizam cripto moedas ou NFT, o que acrescenta complexidade ao tema. O que significa adquirir uma casa num metaverso; devemos aplicar as regras sobre direito de propriedade?

O tema da lei aplicável também é difícil de responder. Quando falamos da Internet em geral, o fator de ligação entre uma pessoa e a lei aplicável é tipicamente a localização geográfica do utilizador. Por exemplo, quando estamos a falar de RGPD (o Regulamento (UE) 2016/679, o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados), e de transferências internacionais de dados pessoais, a localização do utilizador é fundamental para perceber se o RGPD é aplicável. Não é evidente como se deve transpor este conceito para a localização de um avatar num metaverso. Por outras palavras, como conseguimos perceber o âmbito de aplicação do RGPD no metaverso?

Um problema semelhante existe para as leis fiscais. Que leis – e de que países – são aplicáveis, e como afetam as diferentes atividades?

Neste momento ainda temos mais perguntas do que respostas. O metaverso é simplesmente a próxima versão da Internet ou trata-se de uma “realidade” nova (trocadilho intencional) que requererá soluções jurídicas fundamentalmente diferentes? A ver, com interesse.

Daniel Reis

Sócio na DLA Piper ABBC

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