2018-4-24
Em 2013 já a China produzia mais artigos científicos na área de «deep-learning» do que os Estados Unidos.
Com o lançamento da sua nova série de smartphones P20, a Huawei conseguiu uma proeza que poderá ter um alcance bastante superior ao que até os seus próprios comunicados de imprensa indicam. É claro que há todas as hipérboles em torno da qualidade da câmara, das três lentes, e até dos algoritmos de Inteligência Artificial usados para obter fotos noturnas de qualidade equivalente ao que é possível captar com uma câmara de sensor grande. Mas o que é relevante é a Huawei ter conseguido não apenas nivelar, como ultrapassar, a série Pixel da Google, jogando no mesmo jogo, isto é, no dos algoritmos de IA, em tão pouco tempo. Ora, a Google não é um participante passivo nesta área - é um dos seus principais intervenientes, em termos de número de investigadores, de produção científica, de capacidade de investimento e de execução. A Huawei é apenas um dos primeiros porta-estandartes a mostrar quão rápida está a ser a evolução da IA na China. Em 2013 já a China produzia mais artigos científicos na área de «deep-learning» do que os Estados Unidos. Não é possível determinar quanto é que a China no seu todo está a investir em Inteligência Artificial, mas só a cidade de Beijing se comprometeu com 2 mil milhões de dólares para a criação de um parque de ciência e tecnologia destinado a IA. Para comparação, o plano do presidente francês Emanuel Macron, recentemente anunciado, e que tem por objetivo colocar a França no pelotão da frente no desenvolvimento nesta área crucial, apresentou um investimento de 1,5 mil milhões de Euros (1,8 mil milhões de dólares) durante os próximos quatro anos. Evidentemente as comparações são injustas. Só a população da cidade de Beijing representa um terço de toda a população da França. Mas a França foi o único país europeu, até agora, a apresentar um projeto com tal amplitude e visão. Qual é o plano de Portugal para a Inteligência Artificial? Ou o de Espanha? A China tem, para além da escala inigualável do mercado, e de uma capacidade de investimento que nem a UE no seu todo consegue igualar, algo que é muito difícil obter a nível europeu, e será cada vez mais: dados de pessoas. O RGPD representa um pau de dois bicos para o espaço europeu. Por um lado, dá uma proteção aos consumidores que só peca por tardia (veja-se o caso dos dados do Facebook). Por outro, face a países onde essa proteção é, no mínimo, frouxa, como é o caso da China, coloca os intervenientes no mercado em situação de potencial desvantagem. É um nó górdio de difícil solução. A verdade é que os algoritmos se treinam com dados. Melhores algoritmos, produzem melhores resultados – e grande parte do investimento se destina à investigação em algoritmia. Mas o espaço vibrante no comércio eletrónico, nas redes sociais, na mobilidade, na China, permitirá que as empresas Chinesas obtenham dados que não estão ao alcance de nenhuma empresa europeia e que apenas quatro empresas americanas conseguem igualar em escala (Google, Facebook, Microsoft e Amazon). É demasiado cedo para dar por perdida a guerra da IA para a Europa. Não há bola de cristal que permita prever a evolução deste mercado. Evidentemente, a França está no seu pleno direito de avançar com a sua própria iniciativa de investigação na área, sem esperar pelo comboio pesado dos seus parceiros. Mas assim como a Europa conseguiu agir a uma voz única no que concerne à proteção de dados, deveria ser capaz de fazê-lo, também, no que toca à investigação em IA. No horizonte pós 2020, a Europa terá, provavelmente, uma nova abordagem, mais unificada, mas nessa altura, já a China terá uma tal vantagem que será difícil, ou mesmo impossível, de apanhar.
Henrique Carreiro | Docente de Cloud Computing e Mobilidade Empresarial na |