Susana de Almeida Farinhas | Associada de PLMJ TMT em 2018-12-28
A União Europeia adotou, em 28 de fevereiro de 2018, o Regulamento (EU) 2018/302 que visa prevenir o bloqueio geográfico injustificado e outras formas de discriminação baseadas na nacionalidade, no local de residência ou no local de estabelecimento dos clientes no mercado interno
A adaptação a este novo Regulamento exige um esforço por parte dos comerciantes, que têm de redefinir as suas estratégias negociais de acordo com as novas medidas estabelecidas. Este é um processo que se reveste de grande importância pois, além de ser essencial para o cumprimento da lei, constitui um passo fundamental para a concretização de um mercado único digital, sem fronteiras e livre de práticas discriminatórias. Relativamente aos serviços abrangidos pelo Regulamento, qualquer comerciante estabelecido no território de um Estado-Membro ou de um país terceiro, cuja atividade consista na venda de bens ou na prestação de serviços na União Europeia, deve preparar a adaptação às novas regras impostas pelo Regulamento que entrou em vigor no dia 3 de dezembro de 2018. O Regulamento vem limitar a implementação de medidas de “geoblocking”, utilizadas pelos comerciantes de forma a bloquear ou restringir injustificadamente o acesso aos seus websites, interfaces digitais ou produtos, por parte de consumidores que se situem noutros Estados Membros da União Europeia. Pretende o Regulamento fazer face à segmentação artificial do mercado interno através da proibição de práticas que não se coadunem com as liberdades fundamentais do mercado, tais como a estipulação de preços e condições de venda diferentes – de acordo com a nacionalidade, local de residência ou estabelecimento do consumidor –, o redireccionamento automático para uma interface diferente da pretendida pelo mesmo (sem o seu consentimento), ou a restrição ao acesso a websites localizados em jurisdições diferentes da do consumidor (e/ou à capacidade de aquisição de produtos e serviços através dos mesmos). Por razões de coerência e de segurança jurídica, o Regulamento adotado alinha-se com a Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno. Como tal, encontram-se excluídos do âmbito de aplicação do Regulamento os serviços do foro financeiro, social, dos transportes, dos cuidados de saúde, audiovisuais (incluindo os serviços cuja principal finalidade seja o acesso às transmissões televisivas de eventos desportivos e que sejam fornecidos com base em licenças territoriais exclusivas), bem como os serviços cuja principal característica seja a oferta de acesso e a utilização de obras e conteúdos protegidos por direito de autor em formato intangível, como os serviços de música em fluxo contínuo ou os livros eletrónicos. No entanto, estes serviços poderão vir a deixar de ser excluídos: em março de 2020 terá lugar uma avaliação do impacto global do Regulamento no mercado interno e no comércio eletrónico transfronteiriço, que poderá traduzir-se num alargamento da proibição de aplicar condições gerais de acesso diferentes aos serviços que não se encontram hoje por este abrangidos. Para o efeito, é essencial que sejam revistas as características da tecnologia utilizada nos websites e apps para identificar e remover quaisquer medidas destinadas a bloquear ou limitar injustificadamente o acesso aos mesmos. No entanto, tome-se em atenção que a proibição imposta pelo Regulamento não é absoluta, não sendo afastadas todas as medidas deste género: por exemplo, o redirecionamento para uma interface diferente é permitido desde que cliente o tenha consentido expressamente e o website original se mantenha acessível ao consumidor, sendo igualmente permitida a imposição de restrições que se revelem essenciais para o cumprimento da legislação a que o comerciante esteja sujeito. Embora os comerciantes sejam livres de escolher os métodos de pagamento admitidos, é igualmente necessário rever as condições de pagamento aplicáveis, de forma a garantir que não são impostas condições diferentes, de forma injustificada, a operações de pagamento efetuadas através de uma transação eletrónica mediante transferência bancária, débito direto ou através de um instrumento de pagamento baseado em cartões da mesma marca e da mesma categoria, cujos requisitos de autenticação sejam cumpridos e que seja efetuada numa moeda aceite pelo comerciante. Daqui se retira que o Regulamento não cria uma obrigação de vender, não exige a harmonização de preços ou impede que sejam propostos preços diferentes de venda a determinados grupos de clientes de forma não discriminatória. Não são, aliás, impostas quaisquer obrigações desproporcionais para os comerciantes, como demonstra o facto de esta proibição de não discriminação não obstar a que sejam cobrados encargos pela utilização de determinados instrumentos de pagamento, desde que estes não excedam os custos suportados pelo comerciante para o efeito. Os comerciantes devem igualmente assegurar que a sua política de distribuição e entrega de bens não discrimina entre diferentes nacionais da União Europeia. Contudo, tal não significa que exista uma obrigação de entrega de produtos além-fronteira – cabe ao comerciante decidir livremente se pretende oferecer serviços de entrega em países diferentes do seu. Existe, sim, a obrigação para o comerciante de garantir que a informação que presta é clara quanto às restrições e condições de entrega praticadas de acordo com a sua política de distribuição e entrega de bens. Torna-se assim claro que o Regulamento (EU) 2018/302 exige, sem dúvida, um investimento por parte dos comerciantes de forma a adotar as medidas necessárias para cumprir com as suas novas obrigações. Contudo, é de relembrar que o fim do bloqueio geográfico injustificado não se traduz apenas em melhores condições para os consumidores – num mercado digital único surgem também mais oportunidades para as empresas, que rapidamente verão o retorno do seu investimento.
Susana de Almeida Farinhas, Associada de PLMJ TMT (Telecomunicações, Media e Tecnologias de Informação) |