Maria João Faísca, Advogada, Tecnologia, Mobilidade e Comunicações – PLMJ Advogados em 2020-9-21
Volvidos alguns meses de convivência com o novo Coronavirus, não haverá dúvidas de que toda a nova conjuntura social foi um grande impulsionador do comércio online (o e-commerce)
Maria João Faísca, Advogada, Tecnologia, Mobilidade e Comunicações – PLMJ Advogados
E se, até ao início deste ano, a maior parte dos estudos demonstrava que Portugal estava longe de ser um exemplo de investimento na área, a verdade é que o confinamento obrigou muitos portugueses a fazer compras sem sair de casa e, por isso, a recorrer ao e-commerce. Aos grandes agentes do mercado já instalados com as suas plataformas juntaram-se os pequenos comerciantes, numa tentativa de salvar o negócio. E o e-commerce parece estar para ficar. É, por isso, tempo de avaliar o mercado, a resposta dada, os problemas manifestados, mas, sobretudo, de garantir que os direitos dos utilizadores destas plataformas são respeitados. Ora, nunca é tarde para abordar as cautelas legais que se impõem pelo que, sem qualquer desprimor para as demais, se vem aqui recordar algo que não é uma novidade, mas que, por entre a urgência na criação de uma plataforma de venda online, poderá ter sido esquecido: o dever de não discriminação dos utilizadores das plataformas de e-commerce nacionais da União Europeia com base em critérios geográficos. Resulta do Regulamento 2018/302 do Parlamento Europeu e do Conselho, que entrou em vigor a 3 de dezembro de 2018, assegurado no direito nacional, nomeadamente, através do diploma, revisto, que estabelece os princípios e as regras para simplificar o livre acesso e exercício das atividades e serviços e deriva da estratégia do mercado único digital da União Europeia. Visa-se, assim, evitar a discriminação dos utilizadores, impedindo-os de adquirir bens ou serviços em resultado de critérios geográficos, ou seja, com base na nacionalidade, no local de residência ou no local de estabelecimento. Posto isto, quando estiver a preparar a sua plataforma de e-commerce deve ter em conta que é proibído, com base na nacionalidade, no local de residência ou no local de estabelecimento: 1. O bloqueio ou a restrição do acesso à plataforma de e-commerce; 2. O reencaminhamento automático do utilizador para uma versão diferente da plataforma de e-commerce em que foi feita a tentativa de acesso inicial; 3. A aplicação de diferentes condições gerais de acesso aos produtos ou serviços quando: a. Os bens sejam entregues num local situado num Estado-Membro disponível de acordo com as condições gerais de entrega, ou se os bens forem levantados num local acordado entre o comerciante e o utilizador (cliente) num Estado-Membro em que tal opção se encontre prevista nas condições gerais; b. O utilizador pretenda receber serviços prestados por via eletrónica, exceto em casos específicos relacionados com matérias de direitos de autor; c. Se trate de receber serviços num local físico situado no território de um Estado-Membro onde o comerciante exerça a sua atividade. 4. A recusa de determinados meios de pagamento, desde que: a. As operações de pagamento sejam efetuadas através de transferência bancária, débito direto ou através de um instrumento de pagamento baseado em cartões da mesma marca e da mesma categoria; b. Sejam cumpridos os requisitos de autenticação; c. As operações de pagamento sejam efetuadas numa moeda aceite pelo comerciante. Não se pretende, com isto, impossibilitar o comerciante de ter as suas próprias condições de preços, de entrega e de métodos de pagamento. Estes aspetos deverão, aliás, estar contemplados nas condições gerais, disponíveis na plataforma de e-commerce. Porém, o acesso a tais condições não pode ser limitado com base em critérios territoriais. Portanto, se é comerciante e se pretende arriscar – ou já arriscou – entrar no maravilhoso mundo do e-commerce, nada tema, mas acautele-se. Isto porque a legislação aplicável é variadíssima, a proteção do consumidor é um pilar fundamental e os objetivos de unificação digital da União Europeia são uma pequena gota num oceano de requisitos que deverá respeitar. O e-commerce não vive num enredo meramente operacional, ele é, na sua génese, uma fonte de negócios jurídicos – com todas as implicações que daí resultam. |