Henrique Carreiro em 2023-2-10
A migração para a cloud deveria ser o início de uma nova etapa para as empresas que a empreendiam. Essa era, pelo menos, a promessa.
Mas quantas vezes, essa migração se traduziu, sobretudo, em “lift and shift”, ou aproximações idênticas, em que pouco mais se fez do que empacotar soluções existentes e passar para cloud, com as modificações estritamente necessárias para funcionar no novo ambiente, mas sem sequer olhar para o código subjacente, que se tornou entretanto ou obsoleto, ou de complicada manutenção? A expressão “dívida técnica” (“technical debt”, no original) tem-se vindo a tornar conhecida com o significado de solução incompleta, em IT, criada para preencher uma lacuna, mas apenas pelo mínimo necessário, muitas vezes sem integração arquitetural, sem sustentação a longo prazo, de difícil manutenção. A expressão pode ser utilizada para caracterizar soluções aplicacionais, assim como infraestruturas. De forma mais lata, pode falar-se de “dívida técnica” até em termos de “skills” e capacitação organizacional. Não é um problema de fácil resolução porque mexe, na maioria dos casos, no que não está visível. E, como é bem sabido, o que está visível tem tendência a ser prioritizado. Mas a questão é que se o que está subjacente é construído em bases pouco sólidas, repleta de remendos, com código de baixa qualidade ou não mantido, tudo o que se coloca por cima tenderá, a prazo, a agravar o problema. São os juros compostos da “dívida técnica”. Mais uma vez, no limiar de uma nova revolução, a da integração de AI em processos de negócio, há um sério risco de agravamento da dita dívida. O apelo é que a AI possa tornar as cadeias de valor mais eficientes e que se desviem – não sem mérito – recursos significativos das organizações para a nova e brilhante tendência. Será para esses projetos que os melhores serão destacados, assim como será para eles que serão destinadas as maiores fatias dos orçamentos de desenvolvimento. Mas isso significa, por outro lado, que a “dívida técnica” legada se mantém, sendo apenas parcialmente disfarçada pela camada de AI, como já o foi também pela cloud. Contudo, os juros da dívida tornam-se cada vez mais proibitivos. Melhor andariam as organizações – e os governos, via sistemas de informação do setor público – que olhassem para a “dívida técnica” como olham para as outras. Geri-la, antes de serem geridos por ela. |