Miguel Carvalho Marques, advogado do departamento de TMT & PI da CCA em 2021-3-16

OPINIÃO

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“Club” 2k21 – cartografia de um problema em mutação

Mostra-se anacrónico como em 2021 o conceito “club” consegue ganhar espaço numa sociedade que se quer aberta e inclusiva – quer enquanto referência a uma pretensa exclusividade, quer como prática quase ritualista e iniciática junto de um grupo com certas e determinadas afinidades

“Club” 2k21 – cartografia de um problema em mutação

Miguel Carvalho Marques, advogado do departamento de TMT & PI da CCA

Enquanto certas instituições quase fin-de- -siecle insistem (decadentemente) em manter-se presentes em determinados ciclos de norte a sul de Portugal, outras – mais democráticas – tendem a penetrar nos nossos smartphones. Falamos do Clubhouse, coqueluche da última dezena de meses, ao acesso de todo e qualquer um que tenha um dispositivo iOS, um “convite” ou se sujeite à sempre humilhante “lista de espera”. Mas enquanto os acessos às primeiramente enunciadas bolhas da vida real tendem a cobrar uma “anuidade”, “mensalidade ou “contribuição, o Clubhouse nada cobra.

A dimensão do Clubhouse não é desprezível, nem se profetiza que se torne num epifenómeno das redes sociais. Assentando numa espécie de meio-termo entre o podcast e o sempre irritante áudio do whatsapp, tem vindo a alimentar-se de um hype que conduziu à marca dos dez milhões de downloads e a uma avaliação que ascende aos mil milhões de dólares. Elon Musk, Kevin Hart, Drake e Oprah Winfrey são admiradores da aplicação que procura colocar a tónica no “social”, por via da “edificação” de salas dedicadas a determinadas matérias, em detrimento dos obsoletos grupos e em que os “influencers”, meritoriamente, são promovidos a “moderadores de sala”. Chegou mesmo a ser um safe haven para a dissidência política da República Popular da China. A simplificação é notória e as vantagens da aplicação parecem claras a ponto de a podermos apelidar – veja-se o paradoxo – de “inclusiva”: não existem filtros nem realidades fotográficas alternativas à vida real. Não existe body-shaming nem slut-shaming. O shaming é deixado à porta ou melhor, reside só e apenas no sistema operativo do smartphone que transportamos no bolso.

Contudo, muitas têm sido as fragilidades apontadas, nomeadamente quanto à sempre presente proteção de dados, o calcanhar de Aquiles de qualquer rede social. A primeira – notoriamente a mais amplificada por todos aqueles que já se debruçaram sobre o fenómeno – reporta à criação de “shadow profiles”, aquando do envio de convites. Ora, por via do acesso à lista telefónica do utilizador, a aplicação avalia o potencial nível de engagement com as pessoas nela inscritas. Assim, muito simplisticamente, não só é concedido o acesso a dados de terceiros, como os próprios dados são transferidos para um país terceiro à União Europeia, os Estados Unidos da América. Igualmente, mostra-se altamente vaga, quase inexistente, a natureza do tratamento de tais dados. Por outro lado, outra questão ameaça seriamente a efemeridade da voz humana na aplicação – ora, negamos desde já uma espécie de referência a Jean Cocteau, mas a verdade é que o discurso direto, alegadamente efémero permanece armazenado, “solely for the purpose of supporting incident investigations”. Ora, como já veio a sempre atenta Forbes teorizar, tal abre uma interessante caixa de Pandora, remetendo para o juízo da Alpha Exploration Co., Inc. (titular da aplicação), o que pode ou não ser considerado uma violação e a que ponto a mesma é meritória da sua atenção e investigação. Por outro lado, a sempre atenta República Federal da Alemanha, por via da Federação de Organizações de Defesa de Consumidores já notificou a Alpha Exploration da necessidade de redação da respetiva política de privacidade em língua local, sob pena de aplicação do respetivo quadro sancionatório – algo que não nos espanta, dado o ordenamento jurídico alemão ter sido dos primeiros em solo europeu a debruçar-se sobre a problemática dos influencers.

Estas questões já movem inflamadas discussões nas redes profissionais e blogues. Resta saber se a intensidade das mesmas acompanhará o crescimento do Clubhouse.

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