Alcina de Oliveira Alves, Advogada da CCA em 2020-6-22
No passado dia 1 de junho assinalou-se em Portugal o Dia da Criança, efeméride proclamada na Conferência Mundial para o Bem-estar da Criança de 1925, em Genebra. É uma recordatória das dificuldades a que muitas crianças são expostas e dos direitos que lhes são muitas vezes negados
Alcina de Oliveira Alves, Advogada da CCA
Um desses direitos é o direito à proteção – as crianças devem ser protegidas – sendo que aqui se incluem hoje realidades imprevisíveis em 1925: o direito de ser protegido enquanto consumidor de internet, da vida em rede, e dos serviços disponibilizados através do mundo digital, incluindo a internet das coisas, cada vez mais presente nos nossos lares. Se dúvidas não existem acerca dos perigos da internet para adultos, as preocupações são redobradas quando a utilização é efetuada por menores, vítimas fáceis de esquemas fraudulentos e de predadores. A utilização da internet por crianças suscita muitas questões relacionadas com a proteção das mesmas, exemplificando, se é difícil a um adulto distinguir um e-mail fidedigno de uma tentativa de phishing, como será para uma criança? Qual será o grau de dificuldade em convencer uma criança a fazer o download de malware? Quão exposta está uma criança a cyberbulling e publicidade direcionada? Com que facilidade uma criança se relaciona com desconhecidos, fornece dados pessoais e partilha ficheiros? ‘Uma vez na internet, para sempre na internet’, não é um mero chavão. É o desfecho de muitos casos de exposição indevida de crianças, culminando em danos irreversíveis no seu processo de crescimento. Posto isto, é lógico que a proteção devida aos menores deva focar-se na prevenção em detrimento da punição dos infratores após a consumação do dano. A lei tem dificuldade em acompanhar a realidade tecnológica, i.e., de regular as especificidades de um universo constantemente mutável. Ainda bem que assim o é, não sendo desejável a existência de um enquadramento legislativo exaustivo neste âmbito, o qual se tornaria facilmente obsoleto, e como tal, impraticável. Ainda assim, a lei pode fazer mais sem se tornar intrusiva. Em primeira linha, e a título preventivo, a lei deverá intervir, (i) através do direito do consumo, na vertente à informação. Cada vez mais, o fornecedor de bens ou serviços (seja de uma aplicação, ou de um frigorifico ligado à internet) deve prestar todas as informações acerca do seu produto ou serviço, dos perigos da sua utilização, dos dados que serão necessários para a sua utilização, e das vulnerabilidades que o produto ou serviço possam ter; e (ii) através da criação de incentivos às empresas dispostas a reforçar os mecanismos de segurança e proteção dos serviços e produtos por si disponibilizados. Em segunda linha, o legislador deverá reforçar a moldura contraordenacional e criminal aplicável aos infratores e / ou agentes facilitadores. Não obstante, em última análise, ninguém protege melhor as crianças da tecnologia do que a tecnologia em si, existindo já diversos mecanismos para a proteção dos elementos mais frágeis da vida em rede. Destacamos os seguintes: • Cada vez mais empresas aderem ao safety by design. A ideia é, num momento inicial (R&D), quando está a ser desenvolvida uma nova tecnologia, website, produto ou serviço, acautelar as questões de segurança que poderão surgir pela utilização do produto ou serviço (no processo de criação, todas as variantes relacionadas com segurança devem ser tidas em conta). • Os repetidores de sinal têm como objetivo principal expandir a cobertura do sinal Wi-Fi em casa. Existem modelos que permitem ainda, a quem o controla, calendarizar pausas no Wi-Fi, impedindo o acesso à rede quando for conveniente (como à hora de dormir). • A principal plataforma de partilha de vídeos a nível mundial disponibiliza agora uma versão especificamente para crianças, a qual não se limita a conteúdos filtrados para idades específicas, fornecendo diversas ferramentas aos pais que permitem, por exemplo, controlar as pesquisas dos menores, limitar o seu tempo de visualização, e bloquear vídeos ou canais que não se tenham como apropriados para o menor. • As aplicações/websites mais populares entre crianças e adolescentes dispõem todas de ferramentas para reportar conteúdos impróprios, bem como comportamentos abusivos de outros utilizadores. Estas ferramentas, uma vez ativadas, tendem a resultar numa atuação célere. Tecnologias e legalidades à parte, convém não descurar a educação dos mais novos a agir de acordo com as melhores práticas online, o que passará por nunca revelar informação pessoal na rede, por não marcar encontros com pessoas desconhecidas, nomeadamente sem autorização ou supervisão parental, e por reportar quaisquer comportamentos impróprios de terceiros. |