Rita Trabulo, Associada Coordenadora da Startinnovation Team da CCA em 2021-6-23

OPINIÃO

Legal

A Lei versus Tecnologia. Aliadas ou rivais?

O impacto da tecnologia, especialmente da Inteligência Artificial (IA) no setor jurídico surge frequentemente em discussão. Sendo indiscutível o impacto que esta tem na sociedade, passando-se ao setor jurídico, é comum perguntar-se sobre a sobrevivência dos advogados face à evolução tecnológica. Serão estes agentes da lei uma espécie em vias de extinção?

A Lei versus Tecnologia. Aliadas ou rivais?

Rita Trabulo, Associada Coordenadora da Startinnovation Team da CCA

Vivemos a Quarta Revolução Industrial, acompanhamos o impacto da Indústria 4.0 e temos presente que a substituição da força humana por máquinas vai para além da tela de cinema. Perguntamos assim se IA pode ser aliada do setor jurídico ou, pelo contrário, o seu autómato rival.

Exemplos típicos de ameaças à sobrevivência deste setor, como o conhecemos, são os chatbots, a automação de contratos e os smart contracts. Até que ponto a uniformização de conceitos e da regulação, bem como a automação de processos levará à sua transformação e à eliminação de determinados players?

Refrescando conceitos e procurando resposta no exemplo dos smart contracts, trazidos ao Mundo, em 1994, por Nick Szabo, deve ser esclarecido que estes não são um tipo de contrato real em si, dependendo sempre da existência de uma relação contratual que é depois transformada num código de programação. Szabo idealizou uma representação digital de contratos tradicionais, que segue uma lógica if-this-then-that, com o objetivo de minimizar o risco de exceções maliciosas ou incidentais.

Os códigos de programação introduzidos permitem, por operação do próprio computador, monitorizar e/ ou executar um contrato, sem necessidade de interferência humana. Mais tarde, com a introdução da blockchain - bancos de dados que operam como livro de registo de informações que lhes são trazidas por cada um dos computadores que àqueles estão ligados - os smart contracts ganharam uma nova força. A blockchain é descrita como sendo incontestável, mais rápida e mais segura que o sistema tradicional. Mantém-se o foco na eliminação de intermediários, o que leva à polarização da ideia de que os advogados são uma espécie em vias de extinção… o que não pode estar mais longe da verdade.

Muito importante na criação de um smart contract é a definição clara de todos os elementos integrantes do contrato para que sejam verificáveis pelo computador. Tem de se retirar todo e qualquer abstracionismo e interpretação inerente à inteligência humana. O computador não vê, não sente, não interpreta, apenas segue as regras que forem inseridas. Se, numa primeira leitura, o programador assume um papel relevante ou até aparentemente exclusivo, vemos que é, na verdade, essencial o papel do advogado que vai definir o quadro jurídico aplicável: as regras que são traduzidas para linguagem de programação. Portanto, previamente à demonstração da inteligência artificial, terá de existir sempre o elemento humano.

A IA pode ser assim a nossa melhor aliada. Em maior escala, pode ajudar a reduzir custos e burocracia do setor jurídico, tornando a justiça mais democrática, e isto sim, tem e terá um grande impacto na sociedade. E devemos procurar esse impacto. Mas nem tudo é linear no mundo do Direito. É preciso aceitar que a IA tem os seus limites e que não é substituta da inteligência humana. Nem mesmo um unicórnio pode substituir a nossa inteligência.

Short long story: Diz-se que “mudam- se os tempos, mudam-se as vontades”, mas teremos de ir mais além. A resposta à questão inicial de saber se a tecnologia pode ser aliada da “Lei” está na contínua evolução e capacidade de adaptação da inteligência humana. Está no desafio. O desafio de, não só nos adaptarmos, mas também de procurar essa evolução, com a ajuda de quem tem experiência no assunto e de quem desenvolve a tecnologia que será a Aliada da Lei. O desafio de termos Advogados- Programadores. O desafio de termos, cada vez mais e melhores, ferramentas a completar e a potenciar a nossa inteligência. O desafio é assim para todos nós: quem vive no mundo do Direito e quem desenvolve o setor tecnológico.

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