2018-3-27
A expressão «Inteligência Artificial» está em vias de atingir aquele ponto exato de diluição que afeta já dignos antecessores como «Cloud», «Big Data», «Blockchain» ou «Transformação Digital»
O ciclo de «hype» é um inexorável devorador de termos que, cada vez mais rapidamente, são assimilados por todas as empresas e especialistas (com frequência, instantâneos) e que passam a ser usados em contextos cada vez mais distantes dos originais, até que o seu significado se torna difuso e, em geral, muito ligado à agenda do fornecedor de tecnologia que os está a apresentar. Talvez por causa desse efeito, tenha passado praticamente despercebido o anúncio feito pela Microsoft no início de março relativamente ao foco em IA da próxima iteração do Windows 10. Enquanto as atualizações anteriores se centraram na área da criação -- num ataque não muito difícil de adivinhar ao mercado tradicional da Apple – esta nova versão funciona, de alguma forma, como manobra para ocupar um espaço em que a Google está, rapidamente, a ganhar espaço, mercê, sobretudo, da disponibilização de uma plataforma de desenvolvimento para aplicações de aprendizagem de máquina, que se tornou imensamente popular, designada por TensorFlow. Os criadores de aplicações poderão tirar partido de modelos pré-treinados no Windows 10, para análise em tempo real de dados locais como imagens e vídeo. Um dos pontos fundamentais no anúncio é, precisamente, a palavra «locais». É que, na verdade, com as aplicações mais recentes de IA, o ponto de equilíbrio está a deslocar- -se, novamente, do centro para a periferia da rede. Por outras palavras, procura-se uma menor dependência da cloud, em benefício da utilização da capacidade disponível nos computadores pessoais. Há múltiplas vantagens nesta aproximação -- a primeira, e não de somenos importância, é a diminuição de utilização de largura de banda gasta a enviar dados para serem analisados em ambiente cloud. A segunda, é diminuir o tempo de latência da análise. A verdade é que a Inteligência Artificial dá origem a aplicações sensíveis à latência. Não é por acaso que, no que se refere ao conceito de inteligência aplicado aos humanos, dizer-se de alguém que «é rápido» é sinónimo de dizer «é inteligente». E, francamente, os operadores de cloud não estão interessados em ocupar capacidade preciosa a processar dados massivos de todos os vídeos de utilizadores em ambiente doméstico, sobretudo com a capacidade das novas câmaras de 4K, ainda que estas otimizem os mecanismos de compressão. Mais ainda, o Windows suportará um padrão da indústria denominado ONNX para Machine Learning, padrão que está a ser guiado pelo Facebook, pela Amazon (AWS), pela Microsoft e por fabricantes de hardware como a Intel, a AMD, a Qualcomm e a NVIDIA - ou seja, por quase todos maiores participantes neste mercado. Antes que o cansaço relativamente a IA se instale, esta é uma notícia a ter em conta. Parafraseando uma frase célebre noutro contexto, é um passo pequeno para um sistema operativo, mas um grande passo para toda uma nova gama de aplicação dos computadores – mais próximos de uma interface «humana», ainda que com todos os defeitos e qualidades que uma interface «humana» acarreta. Henrique Carreiro | Docente de Cloud Computing e Mobilidade Empresarial na Nova |