Jorge Bento e Rui Damião em 2019-10-15
O IT Channel voltou a dar a voz aos seus leitores e convidou cinco Parceiros para debater o atual estado do Canal em Portugal. As alterações nos modelos de negócio dos Parceiros, a relação com os fabricantes e uma perspetiva do que aí vem em 2020 foram alguns dos temas debatidos
Depois do sucesso do ano passado, o IT Channel decidiu voltar a convidar os Parceiros e dar-lhes a palavra. Contámos com Parceiros especializados em várias áreas, como impressão, cibersegurança e redes, com o objetivo de perceber se o sucesso dos modelos de negócio dos Parceiros nacionais passa pela verticalidade. Nesta Mesa Redonda, BizDirect, Chief Security Officers, Dualinfor, Intsis e Wavecom ajudaram a desenhar o panorama geral do mercado nacional de IT e o estado do Canal. A evolução dos modelos de negócio fez com que os Parceiros se virassem para os serviços. É este modelo que faz com que os Parceiros tenham uma maior recorrência e começassem a vender muito menos ‘ferro’ e a fazer negócios pela margem para venderem esses serviços de valor acrescentado que os clientes finais precisam.
Caracterização do Atual Mercado de IT em PortugalComo é que os Parceiros olham para o atual momento do mercado português, seja empresarial ou setor público, o que está em mudança e em que sentido está a ser alterado?
Dito isto, no mercado de IT existe uma tendência generalizada para a parte de infraestrutura ser passada para serviços externos, para serviços geridos por empresas como as nossas, dado que a grande evolução das aplicações leva a que os gestores de sistemas se virem mais para o negócio, mais para as aplicações, do que para a infraestrutura.”
Existiu uma altura em que a decisão estava no meio da organização e acho que voltámos a um paradigma que já aconteceu há muitos anos. Achamos que a gestão do topo voltou a ser parte integrante no processo de adjudicação ou na tomada de decisão. Porquê? Porque há muita coisa em jogo; há uma otimização das estruturas que têm de ser muito bem delineadas e planificadas. Há muitas empresas hoje em dia que, infelizmente, ainda não têm os recursos, um organograma de processos.”
Vemos um reposicionamento das pessoas e dos proponentes de IT para serem mais estratégicos ao nível do negócio e a estarem mais envolvidos nas decisões estratégicas. Isso implica, também, que estas pessoas melhorem as suas competências e tenham uma maior proximidade ao negócio. Também é muito normal o aumento dos interlocutores e as conversas tecnológicas estarem a ser iniciadas muitas vezes fora dos departamentos de informática, e passarem para as áreas do negócio, do departamento de marketing, as áreas comerciais e até as administrações, que antigamente não acontecia tanto. É muito normal que, num processo de decisão, se juntem à mesa um conjunto de interlocutores que contribuem para a decisão final. Por outro lado, isto também veio complicar o processo de decisão. Aumentando o número de interlocutores, já não é tão rápida ou tão fácil a decisão de um investimento tecnológico.”
Comparando com o passado, onde as reuniões eram feitas com os diretores de IT e os consultores técnicos, era decidido naquela mesa, sendo que o diretor de IT depois levava à administração e dizia ‘isto custa X; podemos pagar?’; hoje em dia não. A administração quer tomar parte da decisão porque quer saber o que está a comprar. Acho que a grande mudança, a grande evolução, será os modelos de negócio as-a-Service. Cada vez mais as empresas querem ter modelos de opção flexíveis que não as limitem no tempo nem na qualidade do que estão a comprar, logo, não querem comprar, querem adquirir um serviço.”
Do ponto de vista dos clientes, ao nível daquilo que é infraestrutura, vemos as tecnologias tradicionais a baixar de preço, vamos ver os nossos clientes cada vez mais preocupados com os novos desafios, e prevejo que tenham uma maior atenção ao que está dentro da sua rede, a possíveis ameaças. Ao nível do mercado em geral, acabamos por ver a segregação daquilo que é a segurança tradicional. A segurança hoje está orientada para os processos, onde se inclui o Regulamento Geral da Proteção de Dados.”
As Alterações no Modelo de Negócio dos ParceirosA passagem gradual de um modelo puramente transacional para um modelo contratual, da revenda para os serviços, impõe desafios a cada integrador e reseller. Onde estão as dificuldades e as oportunidades?
Ao passarmos para a área do serviço, estamos a aumentar a margem, a recorrência ao aparecimento de margens. De outra maneira, os Parceiros chegam ali a janeiro e é um ‘buraco negro’; estamos praticamente falidos. Depois as coisas começam a melhorar lá para junho. Passando para serviços, o Parceiro não chega a janeiro falido, já tem uma margem.”
Uma das coisas que é muito complicada de construir é uma previsão de negócio que nos permita ter longevidade e olhar para os anos que aí vêm e ter um planeamento minimamente sustentável. Esta nova realidade ajuda-nos a mudar o fluxo. Aquilo que sinto junto dos clientes é que querem um serviço que tenha um objetivo, e para eles é um bocado indiferente de que fabricante é o equipamento. O paradigma do cliente que se comprometia com opções técnicas mudou e passou a comprometer- se apenas com objetivos. A responsabilidade das opções tomadas para atingir os objetivos passa a ser nossa. Essa responsabilidade é bem-vinda porque é isso que nos dá valor e é a área onde nos sentimos confortáveis.”
Como é que uma empresa internamente se prepara para uma alteração de uma componente mais transacional para de serviço: o desafio são claramente as pessoas, é um mindset completamente diferente e quem vem do negócio transacional, do hábito de fazer negócio pela margem, tem de se adaptar. A venda é diferente, o posicionamento e a conversa com o cliente são diferentes. Mas isto implica que a própria organização se prepare. O caminho é o as-a-Service, onde podemos pegar em quase tudo o que é IT e transformá-lo num serviço.”
O cliente está a pagar uma mensalidade, uma fee mensal e um contrato de manutenção, e temos o cliente pendurado; no dia em que telefonar e nós não tivermos um serviço, o cliente fica, como se costuma dizer, ‘agarrado’. Esta é a parte negra que ainda hoje existe. Os serviços nos dias de hoje são uma oportunidade inevitável de sobrevivência para qualquer empresa. Há fabricantes que dão valor a isso, outros que não. A questão do serviço está inerente a qualquer coisa que se compra hoje em dia. Por exemplo: quando se compra online a uma empresa na China, ela dá-nos a possibilidade de devolvermos em 15 dias se não gostarmos. Esses 15 dias já são uma prestação de serviço porque não nos estão a obrigar a ficar com o produto. No negócio transacional, o que está vendido está vendido e não há volta a dar.”
Dentro do nosso mercado existe uma competição muito agressiva sob esses recursos. A diferença entre a procura e a oferta, em algumas áreas, é brutal. O que acontece é que quem não quer sair de Portugal é bem pago acima da média e aquilo que nós, enquanto companhia, fazemos é ir buscar o ordenado à margem. Estando no mercado português, uma empresa tem de ter muito bem equilibrando aquilo que são as margens do produto e serviços.”
A Relação com a IndústriaA relação típica entre um reseller e um fabricante sofreu nos últimos anos uma grande alteração. É o declínio da propriedade da conta pelos Parceiros com o crescente conhecimento dos vendors sobre o cliente final. Os ecossistemas têm vindo a substituir os Programas de Canal tradicionais. Para além do volume, os vendors começaram a procurar Parceiros com base nas suas competências específicas em torno de tipos de compradores e indústrias. Estes ecossistemas incentivaram a ligação com outros Parceiros, bem como a hiperespecialização. Esta já é uma realidade sentida em Portugal?
A resposta que vamos encontrando é a especialização que se possa ter à volta das nossas competências, uma relação mais duradoura com os clientes e de ser um trusted advisor que possa fazer a ponte entre o interesse de um fabricante que tem uma determinada tecnologia com alguém que faz uma avaliação prévia desse ou de outros fabricantes para ajudar na tomada de decisão. Claramente estamos a sentir essa relação direta e essa forma de abordar o cliente.”
Temos de vender ao cliente e depois, às vezes, temos de vender ao fabricante a que aquele cliente se adapta, temos que ‘alinhar as estrelas’ para fechar o negócio. O conselho passa pelo desenvolvimento de tecnologia proprietária, mesmo que reduzida, porque isso dá algum distanciamento do fabricante e passamos a ter que convencer apenas o cliente. Por outro lado, não podemos desenvolver coisas genéricas porque não vamos ter sucesso, mas dedicando-nos a um ponto específico, conhecendo o mercado por dentro e percebendo que há lacunas nesse mesmo mercado, podemos perceber se conseguimos colmatar essa lacuna.”
Os fabricantes começam por não gostar de quando utilizamos a expressão ‘agnóstico’, o que percebo: os fabricantes têm um produto que querem vender. Mas posicionamo-nos junto dos clientes como alguém agnóstico que escolhe as melhores soluções para as necessidades dos clientes, um pouco como blocos de Legos. Do ponto de vista da intervenção no mercado, a intervenção dos fabricantes é lesiva apenas por um motivo: a informação é global e quando os fabricantes intervêm, a reação do cliente é de repúdio, isto porque o fabricante vai estar a defender mais o seu interesse do que o interesse dos clientes.”
Mas, no mundo da segurança, todas as empresas que tenham algum sucesso e usabilidade, é apenas uma questão de tempo até chegarem a grandes empresas. Do ponto de vista do negócio, torna-se crucial a forma como o fabricante gere os seus servidores no mercado onde está a atuar. Uma má gestão da distribuição garante que todos vamos fazer maus negócios. Em Portugal, isto afeta o nosso negócio porque estamos no cliente, fazemos o nosso trabalho, a maioria das vezes conseguimos ter a garantia do que o cliente é nosso apenas pela nossa competência. Os fabricantes tentam proteger os integradores que já estão na conta, mas essa é uma gestão muito difícil.”
Temos muito boas relações com quem trabalhamos, mas há uma com quem nós temos este tipo de problemas; antes de irmos ao negócio, já lá está nas nossas costas e respeita muito pouco a Parceria que temos. A relação com a indústria é inevitável e importante, mas muitas vezes o grande problema é gerir um Canal de distribuição de forma justa e heterogénea.”
Antecipar 2020Vivemos uma altura com muitas incertezas a nível mundial, como o Brexit, a guerra comercial que opõe EUA e China, limitações de crescimento devido a compliance e um abrandamento económico. O que se pode esperar de 2020? Como será, à partida, o próximo ano?
Notámos no ano passado uma série grande de projetos relacionado com o RGPD, tanto do ponto de vista processual como tecnológico. Para o futuro, aquilo que vejo é que o RGPD ainda não acabou e que vão continuar a existir projetos nesta área. Prevejo que ao nível da segurança em si vão aparecer muitos mais problemas com muito mais dimensão e que vão causar muito mais impacto. Acredito que só agora é que os mundos empresarial e governamental percebem os problemas e as ameaças que estão associados aos seus sistemas de informação.”
A grande questão é que o mercado dos sistemas de informação vai certamente crescer e parte logo de uma condição social e socioeconómica. Toda a interação social está no caminho da tecnologia, desde as coisas mais simples. Há uma inevitabilidade global os dados vão aumentar exponencialmente todos os anos porque, cada vez mais, o mundo é digital. Nessa perspetiva, acho que todos nós temos boas perspetivas para 2020 porque os ventos nessa área estão favoráveis. Há, no entanto, um perigo: a capacidade que cada um de nós tem para perceber que todos os mundos que se tornam globais e todos os negócios que se tornam apetecíveis tendem a trazer players de fora.”
Estes fatores têm estado a pressionar o capital humano e há uma disputa muito grande pelas pessoas. A geração das pessoas, que são mais jovens, e que mudam muito facilmente de organização. Aquela lealdade já não existe, por qualquer coisa são capazes de mudar. Antecipo que 2020 vai acentuar ainda mais o fator das pessoas, a capacidade de reter as pessoas e de repensar algumas políticas internas para gerir as pessoas, até porque apreciam coisas diferentes. Até podemos ter uma política bem definida de benefícios, de prémios, mas as pessoas já não se reveem naquela forma. Em termos de tecnologia, a segurança vai amadurecer. Começou há uns anos e alarmou as pessoas e o tema da segurança vai continuar a crescer.”
Muitas vezes, nós, enquanto players, tudo aquilo que pudermos desenvolver em nosso próprio nome protege-nos contra os outros e cria diferenciação relativamente aos nossos concorrentes. Hoje em dia, quer no setor privado quer no público, há uma aversão a estas ferramentas, porque são muito caras. Quando há alguém pequeno, como nós, que diz que temos isso e que está incluído nos nossos serviços, e se quiserem podemos fazer uma estatística ao fim do mês, tem uma influência muito positiva.”
Em relação à guerra Trump-Huawei, já é mais uma coisa que temos de explicar ao cliente, desmistificar as questões de segurança... cada vez mais os recursos humanos especializados, não por quantidade, mas por qualidade, são precisos. E esses recursos melhores, infelizmente, ou estão a ir lá para fora ou estão a imigrar cá para dentro, vão para multinacionais que se fixam em Portugal e fogem das nossas empresas. É um recurso escasso em todo o mundo, não é um caso português, sendo que nós temos um rácio qualidade-preço da nossa mão de obra especializada muito bom e vejo a fuga cá para dentro como um problema que temos de combater.” |