Vânia Penedo em 2018-12-19
A Internet of Things (IoT) é uma oportunidade de negócio tremenda para o mercado de IT e para todos os envolvidos na sua cadeia de valor. Alcatel-Lucent Enterprise, EY, HighValue, IBM, Noesis, S21sec, Schneider Electric e Universidade Católica Portuguesa juntaram-se ao IT Channel para refletir sobre a realidade e os horizontes deste conceito tecnológico, onde integração e parcerias são o Santo Graal
Segundo o Worldwide Semiannual Internet of Things Spending Guide da IDC, revelado em junho deste ano, os gastos mundiais com IoT (em hardware, software, serviços e conetividade) devem aproximar-se dos 1.2 biliões de dólares ($1.2 trillion) em 2022, crescendo perto de 14% ao ano ao longo dos próximos cinco anos. A Accenture, por sua vez, estima que o impacto da IoT na economia mundial seja de 14,2 biliões de dólares ($14.2 trillion) em 2030. A indústria e os transportes prometem ser os setores onde os gastos serão maiores, segundo a IDC, que aponta ainda o setor dos seguros e o da saúde como aqueles que também estão a considerar maiores investimentos neste tipo de soluções, salientando que o mercado da IoT está a atravessar um momento de viragem, com os projetos a passarem da fase dos proof of concept para a fase das implementações. Em Portugal, também é assim? Depende do nível de IoT de que estamos a falar. Do lado dos sensores, o primeiro nível da IoT, a disseminação está instalada. “Na IBM observamos múltiplos projetos diferentes e uma grande proliferação de diversos tipos de sensores, dos mais simples aos mais complexos”, referiu Luís Silva, Watson IoT Sales Leader para Portugal. Utilities, indústria, smart cities, edifícios e saúde são os setores onde a IoT está mais avançada, segundo este painel, sobretudo do ponto de vista da instalação de sensores. No entanto, os sensores não são a novidade. Transformação digital dá "empurrão"Bruno Curto Marques, senior manager da EY, lembrou que “as indústrias mais pesadas já utilizam sensores há bastante tempo”, para medições de temperatura, de movimento, de pressão, etc, e que “nada disto é recente”. O que é singular, à data de hoje, é o facto de “os diferentes setores terem percebido que, ao extraírem informação dos sensores, podem recolher dados com valor para o negócio – não só ao nível das reduções de custos, mas também do ponto de vista do aumento das receitas”. A IoT está, assim, a “renascer”, porque é vista sob uma outra perspetiva. “Sempre existiu sensorização e infraestrutura. O que agora existe é uma maior disseminação, capacidade de processamento e armazenamento de dados, uma maior capacidade das próprias comunicações e de tratamento da informação”. Além do mais, a diminuição dos custos de armazenamento também tem tido um “impacto muito grande ao nível da justificação de um business case”. A ascensão da IoT não pode, além do mais, ser dissociada do atual movimento de transformação digital. “Existe uma estabilização do negócio tradicional e, portanto, as várias indústrias procuram nos dados novos fluxos de monetização”, referiu o analista da EY. Sendo o nível mais elementar da IoT uma realidade com vários anos, falta, segundo Isabel Eufrásio, partner & technology evangelist na HighValue, dar o próximo passo: “Como é que a IoT pode ser integrada nas empresas e trazer retorno? Este é o ponto em que ainda não foi materializada”. Antes de mais, porque não existem muitas soluções pré-integradas para as empresas de pequena e média dimensão. “As PME também tendem a achar que a IoT tem um custo muito elevado do ponto de vista da implementação, pelo que há um longo caminho a percorrer”. Para a Schneider Electric, a IoT também está longe de ser um tema recente. “Proporcionamos desde há muito a ligação entre dois mundos que historicamente não estavam ligados, o mundo das tecnologias da informação (TI) e das tecnologias da operação (OT), que ficam agora conectados por este conceito”, destacou Rita Lourenço, key account manager. Empresas a olhar para a IoT 2.0Para a Noesis, existem três grandes grupos de clientes de IoT, que correspondem a três níveis de maturidade. José Pereira, diretor de infrastructure solutions, incluiu na “IoT 1.0” os clientes que dispõem de tecnologia mais tradicional ao nível dos sensores, essencialmente para recolha e processamento da informação. “No entanto, muitos estão a discutir a evolução para a “IoT 2.0”, em setores como a energia, a indústria ou a agricultura, com o objetivo de atualizar a sua infraestrutura, acrescentando capacidade de computação do lado dos sensores, maior capacidade do lado das redes e resiliência ao nível da segurança”. Tudo isto com o objetivo de aplicar inteligência artificial e analítica em tempo real sobre os dados. “Este é um nível de discussão que muitas empresas começam a ter. Sentimos uma tremenda evolução em toda a cadeia da IoT”. Para o integrador, existe ainda um terceiro segmento de clientes: “Há empresas que, não tendo soluções desta natureza implementadas, estão a olhar para o seu potencial. Para estes clientes, quando realizamos a análise da sua arquitetura digital, temos de considerar todo o potencial da IoT”. Conetividade e segurança - pontos críticosAs redes e a conetividade são o segundo nível da IoT, logo acima os sensores, e também têm sofrido uma necessária evolução. Henrique Amaro, solution architect da Alcatel-Lucent Enterprise, realçou que a proliferação de sensores em verticais como as smart cities, e também a saúde, tem levado a que seja necessário, por parte das infraestruturas de rede, “garantir que esse tráfego não para e que nem o tráfego nem o dispositivo são comprometidos”. Com a materialização crescente da IoT, importa não negligenciar a segurança, aquela que é uma das questões mais prementes para a sustentabilidade desta nova era da Internet. “Temos de ter noção do risco e saber como é que a infraestrutura consegue ligar, dar largura de banda e proteger os equipamentos de ataques que até agora eram travados com antivírus e outras formas de proteção”, advertiu. “A proteção tem de estar embebida nas portas dos switches e no próprio wireless”, disse Henrique Amaro, e os múltiplos sensores têm de ser protegidos logo à entrada do tráfego. “Em muitos dispositivos não é possível instalar um antivírus ou uma firewall dentro desse sensor. É neste ponto que entra a componente de inteligência incorporada nos switches e nos access points, que permite que estes equipamentos reconheçam estes dispositivos, dando-lhes uma VLAN ou uma VPN à parte, uma vez que o IT acaba por não ter capacidade para gerir tudo isto manualmente”. João Farinha, head of audit da S21sec, chamou a atenção para o facto de a IoT ter vindo a crescer “de forma exponencial sem que tenham sido tomados alguns cuidados”. Nas auditorias que realiza, a S21sec tem verificado a existência crescente de redes convergentes que combinam dados empresariais com os dados destes dispositivos. Com a indústria do cibercrime a digitalizar-se, existem entidades que estão a explorar as vulnerabilidades de todos estes novos sistemas, sobre os quais, diz João Farinha, “existe pressão para que apresentem resultados o mais depressa possível, pelo que nem sempre as organizações têm a cautela devida aquando da implementação destes sistemas, para assegurar uma proteção conveniente”. O head of audit da S21sec destaca que tudo isto se relaciona com o custo da manutenção dos dispositivos. “Importa garantir que estes sistemas são atualizados quando é descoberta uma vulnerabilidade nova. É um problema que existe porque estamos a falar de dispositivos de baixo custo, para os quais os fabricantes nem sempre asseguram atualizações e correções de bugs”. João Farinha alertou para o risco de haver dispositivos que, ao fim cinco anos, “têm vulnerabilidades tremendas e que ninguém modifica porque estão a cumprir o seu fim”. Ainda assim, reconheceu que existe uma “awareness crescente” para os problemas de segurança associados à IoT. O exemplo das smart citiesAs cidades inteligentes são um dos rostos mais visíveis da IoT, por serem uma das áreas em que está a ganhar vida a um ritmo superior. “Nas cidades, introdução da IoT tem passado por sensores de caudais de água, temperatura, semáforos, iluminação”, detalhou Henrique Amaro (Alcatel-Lucent Enterprise). Acelerar o desenvolvimento das smart cities tem sido precisamente o objetivo do Programa de Smart Cities da Universidade Católica Portuguesa, criado há dois anos, e integrado no Laboratório de Smart Cities da Universidade. “A plataforma junta os diversos stakeholders envolvidos no ecossistema da IoT, desde empresas a startups, passando por cidadãos e governos”, indicou René Bohnsack, professor e coordenador do Programa. “O objetivo é pensar em formas de, através da colaboração, criar valor via utilização destes sensores. Recorremos a boas práticas de smart cities e a métodos de design thinking e de inovação para criar soluções que sirvam os cidadãos”. O Programa tem diversos projetos centrados na componente da energia e da mobilidade. “Na energia trabalhamos com vários tipos de sensores, como as tomadas, por exemplo, que ao serem inteligentes conseguem detetar quando é que a eletricidade está a ser utilizada, por que tipo de dispositivo e durante quanto tempo. É possível adicionar todo um conjunto de funcionalidades e soluções a estes dispositivos”, ressaltou René Bohnsack. Incentivo à colaboraçãoA grande dificuldade associada à Internet of Things reside na complexidade do próprio conceito. “Com a IoT temos uma arquitetura multicamada – o produto, o sensor, a ligação, a análise de dados e a solução final”, explicou o professor da Universidade Católica Portuguesa. “A verdade é que as organizações não podem endereçar estes cinco níveis”. É, pois, por demais importante que se desenvolva uma cultura de colaboração entre empresas, mesmo entre concorrentes. “Tem de imperar o que apelidamos de “co-opetition”, ou seja, uma simbiose entre competição e colaboração. Todas as empresas têm de habituar-se a estar integradas em ecossistemas de inovação”, frisou René Bohnsack. “A IoT pode facilitar uma enorme revolução, sobretudo novos modelos de negócio. Porém, é muito difícil para as empresas mais tradicionais inovar a partir de dentro. É por isso que muitas das mais tradicionais optaram por criar aceleradores e incubadoras de inovação, para conseguirem encontrar em startups algum espaço para inovar”. A cooperação, segundo Bruno Curto Marques, é particularmente importante no setor privado, onde existem “limitações à área de atuação das empresas”. O senior manager da EY defendeu por isso a importância da criação de redes de colaboração. Em algumas áreas, esta interação já está a acontecer, segundo Isabel Eufrásio (HighValue). “Acredito que pode ser potenciado futuramente porque os negócios cruzam-se cada vez mais. Já observamos uma abertura para este networking entre empresas, muito superior ao que víamos há uns anos. A IoT também potencia este tipo de interações”. O que importa superarAs empresas deparam-se com alguns entraves à exploração da IoT. “No setor privado, em muitas situações, ainda se está a decidir como extrair valor dos dados, como monetizá-los. Enquanto não ficar claro como é que se vão criar estas novas fontes de receitas, faz-se um compasso de espera até ao investimento”, observou Bruno Curto Marques (EY). Também no setor público, alertou, existe “muita informação com muito valor” por aproveitar, ainda que devidamente anonimizada. Este ponto, da monetização de toda esta nova informação, beneficia da criação das tais redes de colaboração. “A monetização pode ocorrer com os dados de uma empresa específica, mas também pode ser complementada com informação adicional proveniente de cidades, de operadores de telecomunicações, de redes de transportes”, referiu. Outra das limitações que a EY identifica no que diz respeito à massificação do conceito prende-se com o facto de, nas infraestruturas já edificadas, nem sempre ter sido considerada a necessidade de incluir a IoT de raiz. “Nestes casos o business case é difícil de justificar. Numa indústria pesada, que demora vários dias a parar ou que não pode mesmo parar, uma implementação deste género significa uma perda das receitas”. Ao nível da infraestrutura, Rita Lourenço (Schneider Electric) realçou as dificuldades sentidas pelo IT das empresas. “O grande desafio passa por perceber como é que se consegue gerir estes ambientes cada vez mais complexos e híbridos”, frisou. “Ainda há pouco tempo começámos a falar de cloud computing e ao fim de poucos anos já estávamos a falar de modelos híbridos, compostos por soluções on- -premises, edge computing e cloud”, justificou. O outro ponto prende-se com a já referida análise da “imensidão de dados extraídos dos sensores”. Integrar soluções completas de IoT é outra dificuldade. “Mesmo em empresas mais pequenas, onde já existem plataformas verticais para implementar soluções de IoT, temos de garantir que há integração de diferentes componentes e que o valor de uma solução não se esgota naquela componente específica que estamos a implementar”, alertou José Pereira (Noesis). Como referiu Luís Silva, a proliferação de dispositivos e de aplicações em áreas muito distintas coloca dificuldades ao nível da standardização – “Não estamos na Internet das Coisas, estamos nas Coisas da Internet”. Existem, segundo o Watson IoT Sales Leader da IBM, poucas aplicações “integradas e completas” que respondam a este desafio. “Não existe aquela aplicação que responda a todas as questões. A complexidade é muito grande. Estamos a levar muitos dispositivos para a internet sem deles retirar real valor”. Esta tem sido a aposta da IBM – criar soluções ou plataformas que permitam transformar estes dados em informação, acrescentando capacidades de analítica, modelos de machine learning e de inteligência artificial que permitem dar o passo seguinte. “O desafio é levar as empresas a acreditar que isto é de facto possível”. Empresas não sabem por onde começarPara as empresas é difícil, desde logo, dar o pontapé de saída neste tipo de iniciativas. José Pereira apontou que muitas das dificuldades residem nas competências que as empresas frequentemente não têm dentro de portas. “A componente das competências é crítica para que soluções de IoT ganhem tração. As empresas identificam o potencial, mas a dificuldade está em dar o próximo passo. A participação em ecossistemas abertos de inovação é, efetivamente, importante”. A boa notícia, realçou o diretor de infrastructure solutions da Noesis, reside no facto de as organizações estarem a investir em recursos com novas capacidades e “mais recetivas do que nunca a estes temas, querendo perceber como podem aproveitar toda esta disrupção”. Também nas PME esta recetividade existe. Isabel Eufrásio destacou que a HighValue, enquanto integrador, adota uma postura de design thinking com o objetivo de propor uma solução ao cliente. “Nestas empresas existe uma folha em branco. Olhar para o retorno sobre o investimento deste tipo de soluções é fundamental. As nossas PME gravitam muito à volta dos ERP e dos sistemas de informação. Mas as empresas já não querem só esta informação, procuram soluções com analytics. Muitas vezes a dificuldade está em saber como levamos isto para a organização a custos que possam ser suportados”. Materializar o que este tipo de soluções pode aportar, em produtividade e competitividade, é um ponto importante para quem se dedica à integração e implementação. Setores que mais beneficiamOs benefícios da adoção de soluções de IoT podem, de uma forma geral, ser divididos em dois grandes grupos: maior eficiência e aumento de receitas. “Nos setores que têm rotinas standardizadas e procedimentos repetitivos, significa a possibilidade de prever eventos e preferências”, explicou René Bohnsack. O professor da Universidade Católica Portuguesa distinguiu entre modelos de negócio. “Nas empresas do B2B, por norma os benefícios prendem-se com a melhoria da eficiência. No B2C, as vantagens dizem respeito à criação de valor para o cliente final. Aqui, as possibilidades estão ao nível da personalização da oferta”. No Smart City Innovation Lab, a Universidade Católica Portuguesa desenvolveu uma abordagem passo a passo que ajuda a passar das ideias à implementação – o Smart Business Modeler –, com uma abordagem de design thinking. “Desenvolvemos 380 padrões para modelos de negócio, essencialmente best practices que têm sido utilizadas em várias indústrias sobre como monetizar e criar valor através da IoT”. A Noesis opta por recomendar aos clientes que comecem por iniciativas destinadas a otimizar ou melhorar a eficiência operacional, porque deste modo é possível “avaliar de forma mais natural os benefícios”, disse José Pereira. “É uma forma de introduzirmos valor e de abrirmos a porta para a geração de novas receitas. Sentimos que para os clientes é mais fácil começar pelos use cases de eficiência operacional”. As estatísticas dizem, segundo o diretor de infrastructure solutions da Noesis, que 50% do retorno da IoT será destinado aos negócios B2B, 25% aos negócios B2C e 25% ao setor público. Bruno Curto Marques disse que a indústria já adota este tipo de soluções para melhorar a eficiência. “Mas existe muito potencial ao nível das cadeias de abastecimento, não só no retalho, mas até mesmo em determinadas indústrias”. Quem olha para a IoT como um complemento à sua estratégia deve perceber, segundo o senior manager da EY, onde estão as suas limitações e de que forma é que a informação advinda da IoT pode alterar processos e adaptar sistemas, e até mesmo melhorar a forma como as pessoas trabalham. As empresas para as quais a IoT é a estratégia devem começar, segundo Bruno Curto Marques, por olhar para os dados que já têm e para o que precisam para tornar os use cases “mais fundamentados”. Um dos setores onde Isabel Eufrásio (HighValue) identifica mais oportunidades é o dos serviços. “Há um potencial de crescimento para as empresas desta área e que não é muito explorado. Muitas vezes não pensamos em como utilizar a IoT para aumentar a eficiência dos recursos e do serviço que se presta. É uma forma de aumentar a eficiência a baixo custo”. Rita Lourenço (Schneider Electric) apontou a indústria como o setor onde “existem oportunidades de negócio mais imediatas”, a par das smart cities. A indústria, apesar de ser o setor com a maior fatia de IoT – por via da Internet of Things industrial, a Indústria 4.0 –, não é onde o crescimento será maior futuramente, de acordo com Luís Silva (IBM), por já estar estabilizada. “Serviços, saúde e smart cities apresentam previsões crescimento maiores para os próximos anos, perto dos 30%”. |