2018-10-09

A FUNDO

Digital workplace - Caminho sem retorno

A transformação digital começa na forma como se trabalha, que está a sofrer uma autêntica revolução

Digital workplace - Caminho sem retorno

A mobilidade empresarial é um tema inesgotável devido à sua heterogeneidade. O posto de trabalho é cada vez menos um local e cada vez mais uma nova forma de desempenhar tarefas digitalmente, com total flexibilidade – anywhere, anytime. Mas a mobilidade é também a transformação dos processos internos e dos serviços com recurso a aplicações móveis tendo em vista uma maior agilidade das operações e novas formas de interagir com o cliente.

Em muitos casos, é também a oportunidade para inovar e marcar a diferença. Estes e outros ângulos da mobilidade – sobretudo o da segurança – ditaram o tom de mais uma Mesa Redonda dedicada ao tema. Antes das conclusões, importa relembrar que, para as nossas organizações, a mobilidade continua a ser prioritária: no Predictions, evento que a IDC Portugal realiza no início de cada ano, a consultora partilhou os resultados de um inquérito ao nosso tecido empresarial onde avaliou a orientação dos investimentos em IT, com a esmagadora maioria dos decisores (70%) a apontarem a mobilidade como crítica para a competitividade, colocando-a à frente do cloud computing (65%).

 

Como está a acontecer?

Nas grandes empresas, as novas formas de trabalhar são procuradas na perspetiva de uma “gestão eficiente do espaço”, referiu Anabela Silva, partner da área de People Advisory Services na EY (Ernst & Young). “Os nossos clientes estão a tornar-se digitais e a desmaterializar os seus processos, para que sejam facilmente acessíveis e cumpram todos os requisitos de segurança”. A própria consultora sentiu esta necessidade: dotar os seus colaboradores de maior flexibilidade com a possibilidade de trabalhar remotamente. As PME também procuram este novo paradigma, mais na ótica das operações do que na do trabalho remoto, segundo Isabel Eufrásio, partner & technology evangelist na HighValue. “Pela diminuição dos custos e pela melhoria das comunicações”, referiu. “Vemos mobilidade em todas as áreas – começou há muito nos armazéns, em tudo o que era indústria, ao nível da gestão fabril. Hoje os empresários destas empresas procuram aplicações e indicadores de gestão, bem como acesso em tempo real à informação, tudo em plataformas móveis”.

A única reticência, acrescentou, “sempre esteve no custo e não no produto ou na ideia”. Como lembrou Sandra Andrade, workplace solutions manager na Xerox, “a tarefa tornou-se digital e hoje pode ser realizada em qualquer local”. As empresas já entenderam a importância de o fazer, de digitalizar tarefas, apesar de umas organizações estarem “mais adiantadas” que outras. Esta mudança aporta diversos benefícios – menores custos com espaços, maiores níveis de produtividade, com os estudos a indicarem que quem trabalha em mobilidade por norma trabalha mais horas e realiza mais tarefas.

As resistências aos investimentos em IT não são exclusivas das PME. Paulo Magalhães, country manager da EasyVista, disse que também existem nas grandes empresas e classificou-os de “baixíssimos face à criticidade do IT para as organizações”. Sobre a mobilidade, foi categórico: “Não pode deixar de estar incluída no pensamento estratégico das organizações, porque está intrinsecamente ligada à transformação digital e ao digital workplace”.

A verdade é que nos últimos dez anos muitas foram as alterações. Nuno Almeida, B2B sales manager na Samsung, lembrou que o smartphone tem sido o game changer da forma como hoje trabalhamos. “Já tínhamos tido outras mudanças, quando surgiu o PC, mas o smartphone tem permitido, nos últimos dez anos, que se trabalhe em casa ou no escritório da mesma forma, levando a que vida pessoal e profissional se cruzem cada vez mais”.

 

Uma “nova insegurança”

Plena conetividade, proliferação de dispositivos móveis, cloud, aplicações. Todos estes elementos da mobilidade aportam riscos. “A mobilidade representa mais produtividade, mas aporta uma nova insegurança”, observou Diogo Pereira, business development manager na Ingecom, insistindo que “é preciso que os investimentos em mobilidade sejam acompanhados de investimentos em segurança”. Com os dispositivos móveis, realçou, “existe uma superfície de ataque muito superior”, com os cibercriminosos a procurarem o roubo de informação e credenciais.

Deste modo, defendeu, acima da segurança das redes deve estar a proteção dos dados. Em concreto, “uma proteção que consiga viajar com os dados, que os proteja em qualquer contexto”. Soluções de Information Rights Management (IRM), por exemplo, são uma forma de “garantir que os dados estão protegidos e que só acede a esses dados quem tem permissão”.

O último nível de proteção deve centrar-se no utilizador, “no sentido de assegurar que ninguém utiliza as suas credenciais”. Este é um dos desafios da virtualização do posto de trabalho, uma das grandes tendências associadas à mobilidade: autenticação segura.

 

João Paulo Ferreira, mobility & workplace solutions pre sales na Softinsa, realçou que o aspeto mais crítico é a “ausência de uma estratégia de mobilidade” dentro das organizações. “Existem muitos projetos pontuais, mas não se pensa no ambiente de trabalho dos colaboradores e nas vantagens que advêm da introdução de políticas transversais de mobilidade”. As ações ad-hoc, acrescentou, levam a que se descurem aspetos como a segurança e as aplicações de negócio. “Ainda há organizações em que a mobilidade é um acesso ao e-mail com conexões inseguras, sem preocupação em compartimentar os dados nos dispositivos, em ter políticas de segurança ou ferramentas de mobile device management (MDM) para gerir todos os dispositivos ao dispor do colaborador”, referiu. A redução de custos anteriormente abordada, disse, resulta também num menor suporte aos utilizadores móveis. “É fundamental que as empresas se rodeiem de Parceiros que os ajudem neste caminho – na estrutura da política de mobilidade e em construir condições para que esses utilizadores possam ser suportados quando precisam”, disse.

 

BYOD: desafio que pede soluções

O “Bring Your Own Device” (BYOD), a utilização de dispositivos pessoais no contexto profissional, parecia ser o paradigma da mobilidade há cerca de cinco anos – essencialmente porque as empresas disponibilizavam aos colaboradores equipamentos quase sempre inferiores aos que estes detinham a título pessoal. No entanto, esta é uma área onde não há consenso, devido às dificuldades intrínsecas ao BYOD. “A origem foram os millennials”, destacou Nuno Almeida (Samsung). “Quando começaram a chegar às organizações perceberam que os processos eram diferentes daqueles a que estavam habituados”. Foi esta a geração que impôs a mudança, trazendo para o mundo empresarial um novo estilo de trabalho – com maior flexibilidade e à distância –, a par da necessidade de um outro tipo de aplicações e de formas digitais de colaborar.

Este impulso tem contribuído em grande medida para que as organizações procurem “comunicações por voz e de colaboração à distância, numa plataforma cloud gerida pela empresa”, referiu Luís Coelho, pre sales & business development na Alcatel-Lucent Enterprise (ALE), destacando “que também são parte do posto de trabalho móvel”. Pedro Teixeira, Cisco technical account manager na Comstor, reforçou que “hoje a maioria das empresas procuram integrar o vídeo na sua estratégia de colaboração”.

Grande parte das empresas com as quais a Sysdev Mobile trabalha – que se caraterizam por ter equipas técnicas móveis – “não pensam em BYOD”, avançou Arsénio Gil, CEO. O principal motivo prende-se com o próprio funcionamento das aplicações empresariais. “Quando criamos uma aplicação, ela tem de funcionar mediante um conjunto de requisitos, em vários sistemas operativos (SO) e em diversas versões dos SO. É um pesadelo gerir todos os dispositivos se estes forem diferentes”, indicou. Este é o principal motivo pelo qual muitas empresas têm optado por investir em equipamentos e entregá-los a cada um dos colaboradores. “Outra razão diz respeito à separação entre dados pessoais e dados empresariais”, ressalvou. Existem soluções no mercado – como o Knox, da Samsung – que permitem dividir, no mesmo dispositivo, os dados pessoais e os dados empresariais, separando-os em dois ambientes diferentes, “sem comunicação entre si e sem que a performance do equipamento seja afetada”, ressalvou Nuno Almeida.

A Samsung não tem verificado tanto a adoção do BYOD no nosso mercado, antes o “Choose Your Own Device” (CYOD), por questões relacionadas com a segurança. “As empresas consultam-nos e analisam os nossos equipamentos para perceberem quais os que melhor se adequam às suas necessidades”. No CYOD, a Samsung tem percebido que o investimento tem vindo a ser partilhado entre a empresa e o colaborador. “Até porque existe a tendência para a adoção de smartphones de maior capacidade, em nome de maior segurança e produtividade”. Diogo Pereira (Ingecom) confidenciou que 60% das empresas que permitem a utilização de ferramentas pessoais no contexto profissional “não têm qualquer política de BYOD implementada”, nem estão despertas para a necessidade de recorrer a ferramentas essenciais no contexto do trabalho móvel, “nomeadamente as que permitam apagar os dados remotamente”. Se tivermos em conta que cerca de 40% das perdas de dados empresariais ocorrem em dispositivos pessoais, segundo o business development manager, fica claro que é urgente sensibilizar as empresas para esta realidade.

Maior pressão sobre as redes Sem toda a evolução da conetividade, a mobilidade seria inexistente. “Existem grandes transformações do ponto de vista da forma como se olha para a rede, porque é transversal”, sublinhou João Passos de Almeida, sales specialist e consultant da Aruba/ HPE. “Hoje ninguém pode olhar para uma rede como sendo só um router ou só um switch ou só um access point (AP). Trata-se de algo completamente integrado”.

Cada vez mais os dispositivos estão conetados por wireless e a tendência, adiantou, é para que “o número de portas aumente”, até porque a largura de banda no WiFi “não traz limitações de qualquer género”. Assim, o desafio não está na infraestrutura, mas na segurança. “Temos de ter mecanismos de visibilidade dos dispositivos. Outro ponto importante é saber o que acontece quando alguém entra na rede”. O Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) veio ajudar neste ponto, no controlo de acessos.

No entanto, o uso “abusivo” de acesso a informação tem originado muitos dos problemas que encontramos nas organizações, possíveis de prevenir, segundo João Passos de Almeida, com ferramentas de behavior analytics. Mas, salvaguardou, “todos estes mecanismos têm de estar automatizados”. Luís Coelho (ALE) deixou a mesma opinião, confirmando que “o wireless tem sido o grande impulsionador das comunicações na parte da infraestrutura” e que também o é em projetos nos quais existe a componente wired. As empresas procuram quase sempre soluções wireless complementadas com o BYOD e não dispensam a interação entre o wireless e o wired: “O segundo vai continuar a existir”.

Para a ALE, a coerência da experiência e da acessibilidade são desafios que as empresas têm de solucionar, a par da segurança. A este respeito, Luís Coelho chamou a atenção para a importância do controlo dos equipamentos que entram na rede empresarial, com o recurso a ferramentas que verificam os parâmetros do dispositivo para decidir se este pode ou não aceder à rede. “Há inclusive mecanismos para entregar conetividade e impedir que se entre na rede da empresa”, ilustrou. Igualmente relevante é conseguir “adaptar a rede em função do padrão de tráfego”, uma vez que este é “influenciado” pelos diferentes tipos de dispositivos e aplicações. Luís Coelho lembrou que hoje tudo isto é mais simples, porque “há mais inteligência nos acessos para detetar o tipo de tráfego e os parâmetros”. A verdade é que, observou Pedro Teixeira (Cisco/ Comstor), “hoje esperamos mais da rede”. As expetativas dos utilizadores e a proliferação de dispositivos ligados assim o ditam. A pressão sobre as infraestruturas é por isso maior do que nunca e a gestão da mobilidade absolutamente crítica. “Temos de encontrar ferramentas que garantam a gestão da mobilidade e que esta não é um pesadelo para o IT”.
O BYOD “tem de ser fácil de gerir” e essa tem sido a preocupação da Cisco – desenvolver ferramentas que “rapidamente e de forma automática tratam dos acessos”.

 

Oportunidades da geolocalização

A maturidade do mercado da infraestrutura de rede é de tal forma elevada que a conetividade – sobretudo o WiFi – é hoje uma verdadeira commodity. Tal não significa, porém, que a infraestrutura tenha esgotado o seu valor. É necessário tentar criar “business outcomes concretos”, destacou Pedro Teixeira (Cisco/Comstor) porque é isso que os clientes pedem. “Não solicitam uma solução WiFi, antes o valor que pode aportar ao negócio, além da tradicional conetividade”. Assim, no momento de comercializar uma solução é preciso “clarificar” qual será o retorno financeiro de determinado investimento. “Se falarmos apenas da qualidade do acesso à Internet, este retorno dificilmente existe”. A componente das aplicações começa por isso “a confundir-se bastante com a da infraestrutura”, pelo potencial criativo associado.

A oportunidade de tirar partido da geolocalização “tem impulsionado projetos”, segundo Luís Coelho (ALE). Na saúde e no setor dos transportes e logística existe uma procura crescente pelo asset tracking, geolocalização de dispositivos, avançou, com recurso a tecnologias wireless – Bluetooth, WiFi, BLE (Bluetooth Low Energy) –, “aplicado a equipamentos como cadeiras de rodas, sistemas de análises, entre outros”. Tudo isto “está a colocar uma carga adicional sobre as infraestruturas de rede”, alertou, e sobre os access points (APs) anteriormente instalados”. No setor dos transportes, existe ainda a procura por GPS indoor – “pela utilização de aplicações que nos levam de um sítio para outro”, assinalou. Na hotelaria, onde a conetividade wireless é hoje fortemente valorizada pelos clientes, a melhoria da experiência com recurso a WiFi começa a ser um requisito.

As soluções passam por “interação entre o hóspede e o hotel, acrescentou Pedro Teixeira (Cisco/ Comstor). “Há um aproveitamento da infraestrutura que envolve a criatividade dos próprios clientes e isso traz-nos otimismo quanto aos investimentos”. As oportunidades ao nível de target marketing são inúmeras e também estão a impulsionar os investimentos: “Hoje é possível ter uma geolocalização concreta de um utilizador, e de uma forma transparente para este, saber se determinada pessoa esteve num local, quanto tempo esteve, quantas vezes repetiu a visita nesse local”. Do ponto de vista do marketing, é algo disruptivo, “porque permite gerir preços, promoções”.

João Passos de Almeida (Aruba/HPE) destacou que o retalho é outro dos verticais que se destacam ao nível da procura por novas soluções. “O retalho está em profunda transformação. Os grandes grupos estão a fazer deployments massivos de wireless. Do lado das operações, é preciso levar isto para o cliente final e para a smart shop”.

 

A importância das aplicações

As aplicações são outra variável crítica na equação da mobilidade, porque permitem transformar verdadeiramente a forma como se trabalha. Essa tem sido a preocupação da Xerox, que tem procurado dotar os seus equipamentos de impressão de maior inteligência. “A plataforma dos nossos equipamentos foi reformulada no sentido de que os multifuncionais (MFP) sejam um ponto de trabalho, como o smartphone e o tablet, interagindo com estes dispositivos por meio de apps, que estão a substituir as tarefas”, relembrou Sandra Andrade.

Para que o digital workplace se concretize, Paulo Magalhães (EasyVista) salientou que as empresas têm de ter a capacidade de “disponibilizar serviços aos utilizadores, de acordo com o seu perfil e a sua área de trabalho, independentemente do dispositivo onde estejam a trabalhar”. A EasyVista tem vindo a optar pelo desenvolvimento de soluções web-based “e não baseadas em SO”. Sem necessidade de instalação, estas aplicações funcionam do mesmo modo em qualquer dispositivo. “É inviável gerir dispositivos diferentes e suportá-los se assim não for. A nossa estratégia tem sido esta e sentimos que há uma viragem neste sentido”. Assim, reforçou o country manager, “o caminho passa por disponibilizar ferramentas com a capacidade de se adaptarem quer ao PC quer ao smartphone, sem ser necessário desenvolver 10 ou 15 aplicações do mesmo formato”.

Esta necessidade de desenvolvimento está a ser sentida por parte dos integradores, que têm recorrido à Sysdev Mobile para conseguir dar resposta às exigências dos clientes. “Há escassez de recursos que saibam desenvolver em diferentes SO. Decidimos por isso pensar numa plataforma que permitisse a qualquer pessoa desenhar uma aplicação móvel, para qualquer SO, com a capacidade de interagir diretamente com o ERP, por exemplo”, referiu Arsénio Gil. A facilitar este desenvolvimento estão as plataformas low code ou no code, através das quais qualquer pessoa de uma empresa IT pode criar uma aplicação móvel para múltiplos sistemas operativos, “desde que conheça o negócio do cliente”, apontou o CEO. “O caminho, para os integradores, passará muito por encontrar plataformas que permitam agilizar o processo de desenvolvimento de aplicações e por reconverter pessoas que não são programadores, envolvendo-os neste processo”. Os integradores procuram a Sysdev para desenvolver apps para componentes mais operacionais, de ERP e CRM. “Todos os dias aparecem Parceiros a solicitar uma sample para a criação de uma determinada aplicação. Porque cada vez é mais crítico para o negócio esta componente da mobilidade, sobretudo para empresas que têm comerciais na rua”. Isabel Eufrásio reforçou que, nas PME, a mobilidade assume muito mais esta vertente: “Os empresários das PME querem trazer os processos de negócio para a mobilidade”.

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